quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Desenhos queimados e um sonho de caos

"Somente a realidade me interessa agora..."
(Alberto Giacometti)




Frequentemente não me lembro dos sonhos que sonho, mas o de ontem colorido, chamou a atenção e, ao acordar, numa prosa onírica tracei letras, construí frases errando palavras e, percebi que, ainda estava dormindo e nele, havia ourives e alfaiates, almirantes de branco e jangadeiros dourados, magistrados de gravatas borboletas, professores, doutores de branco, doutores de preto com gravatas pretas, engenheiros e seus chapéus de plástico amarelos, escultores e pintores de jalecos brancos manchados de tintas coloridas, curadores de museus e uma bibliotecária...
Não me diziam uma palavra sequer, mas eu sabia quem eles eram, não pelos nomes, mas por serem bons e perversos e me cercavam e cometiam falhas em suas ações.
E rogaram o perdão, defenderam a honra; talvez na soberba viesse a dissimulação, para poderem sentar à mesa e festejarem todas as capacidades e suas proezas técnicas, enquanto forem capazes de... Dar.
... Esmola aos pobres, doarem sangue, impostos pagarem? Ou melhor sonegar? Livros na biblioteca demorar a devolver. Catalogar quadros valiosos, comprar jóias e apreciá-las; para que os discípulos miseráveis e o amor que eles juraram com seus corações sobre a Bíblia Sagrada venha, de certa forma, fazer com que vivam por mais tempo do que o necessário.
Tornar-se-ão rascunhos de si mesmos, com suas faces esticadas e, por seus vícios pagarão o amor que precisam de seus mártires, de suas amantes...
Precisam de seus sacrifícios capitalistas para que o amor deles seja a morte de meus irmãos e então, só a alma de cada um restará e não poderemos vê-la, sob os ternos negros de dois botões abertos ou sob os jalecos brancos abotoados.
Porém, o espírito deles viverá em meu coração e nos de todos os que tiverem coração pulsando sobre a terra e não forem indiferentes ao que está acontecendo ou ao que já aconteceu.
Seu tribunal explorar-nos-á como lábios que exploram outra boca e seus sorrisos farão brilhar esse corpo que é um halo e suas mentes serão julgadas pelos atos cometidos durante a noite em que dormiam profundamente.
Certo como Baco é Ariadne naquele quadro de Ticiano, certo como Diana é Acteon na renascença veneziana, certo como Jonas foi expelido do ventre da baleia, eles são ladrões, adoram à Vênus e anunciam um amor torto naquela prisão em que não há carcereiro.
Meu Deus, como eles foram parar dentro daquelas celas imundas?
Como, depois de tão pouco tempo, eles já estão à solta novamente?
E o amor continua precisando de seus mártires, precisando de seus sacrifícios, enquanto eles vivem para suas próprias belezas e pagam por seus vícios, ostentam os seus vícios numa bandeja que passa de mão em mão e que, não sei como, nunca chega até a mim.
Eu ouvi o boato que se espalhou ainda ontem, você sabe como funciona isso, o modo como as pessoas são; o rancor será a morte de todos nós, de meus companheiros que cresceram comigo vendo televisão.
Vendo alma, vendo especiarias e dou o troco.
Ouço muitas vozes, elas falam e elas falam, apesar delas não entenderem o que dizem e elas irão sussurrar e sussurrar em nossos ouvidos e mentir até acreditarmos que tudo o que foi dito tinha um sentido.
Diga-me agora, eu insisto em saber, eu quero escutar de seus lábios que não é tão bem assim tudo o que me foi dito no sábado.
Chorei e já na segunda ouvi de novo e ri um pouco, na terça não me lembrava de tudo o que havia ouvido e na quarta você tornou a repetir e eu perdi a paciência definitivamente.
Na quinta, minha calma foi restaurada, mas na sexta... Onde eu estava com a cabeça?
Eu quero conhecer mais sobre as profundezas da sua mente.
Diga-me que tudo isso é loucura e nós estamos indo bem com essa mentira.
Fujo de um índio, corro muito e ele andando calmamente me alcança.
Nunca sonhei colorido, acredite-me, não sei por que insisto em fazê-lo, nunca me esquecerei das cores daquelas penas.
Na cabeça, ponha sua pequena mão sobre a minha e interrompa toda essa confabulação onírica.
Faça-me voltar a acreditar no amor, encoste-se ao meu peito e cante baixinho um louvor
Agora estou caindo de um precipício, de repente, vôo...
Estou mergulhando dentro de um lago escuro e não posso ver nada, mas sei que estou sendo observado, vou à tona, respiro e você me resgata e diz sem abrir a boca...
... Respire amor, para eu poder ouvir de Bruegel que ouviu de Coecke que ouviu de Cock que o velho pedia para sua esposa queimar todos aqueles desenhos de natureza inflamatória.
O pai de Mayken ouviu e jurou pela Bíblia mais que sagrada que essas obras causariam problemas.
Um embate de energia caótica, como foi lido, por mim naquele exemplar da Sextante; agora me lembro, tudo isso faz sentido, foi o livro lido, foi o livro...
Que dizia a “Verdade”, e a “Verdade Absoluta”, estava bem ali, diante dos meus olhos, na estante.
E eu ouvi dos caçadores na neve que ouviu James confirmando com Núbia e eles estavam no Museu Kunsthistorisches.
Tinham um culpado, isso eu ouvi na época em que o carnaval se encontrava com a quaresma naquele mesmo museu em Viena.
Áustria, terra da valsa; deve ter sido em 1559 ou 1561, que dissemos com convicção que toda esperança tinha acabado por um castigo de Deus.
Então eu preciso saber sobre sua penitência, eu preciso ouvir da sua boca que você me ama, antes que me diga adeus.
Antes que esse sonho acabe definitivamente...





*A Pieter Bruegel, o Velho 
(1525 – 1569).

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