quinta-feira, dezembro 22, 2011

Outros eus profundos





Já dizia Pessoa:
“O poeta é um fingidor”
Mente e finge tamanha dor
Em palavra, verso desolador

 
Eu tento compor lamentos
Falo de agruras, dores
Sofrimentos
Mas não minto, incremento

 
Quem os ler senti-los-ão
Cada qual se presume, celebração
Inefável e incólume sensação
Pois, os versos aqui compostos

 
Não confirmo, sabe-se lá
Com quem se identificarão os opostos
Os mitos por mim descritos
São nada e tudo, infinitos...


*Ao poeta Fernando Pessoa
(1888-1935, Lisboa).
*Extraído de: "Teatro da memória".

quarta-feira, dezembro 14, 2011

De estação em estação



“Pense o que quizerem,
Mas foi naquele velho quarto de Chopin
Que eu contraí uma tosse crônica
Que me fez tossir o tempo todo
Em que passamos naquele maldito chateau assombrado”
(Brian Eno)


Trilhos congelados derreteram na passagem dos
Pés descalços, nus, nos dedos esmeraldas em anéis
De prata, enquanto a face pálida observava a abstração dos vagões
Metálicos e lâminas, nada, uma ópera sintética preencheu os ouvidos, do trem


Ensurdecedor; aplaudi-lo-emos na estação, de pé
Ouvi-lo-emos, senti-lo-emos de estação em estação, freagem e aceleração
Lá fora, a friagem acima das escadas conserva os poucos cadáveres que restaram
Apodrecem lentamente nas calçadas ambivalentes


Heróis por um dia foram, esquecidos pela eternidade, agora...
São protegidos; estiveram por trás das cortinas ocres, velas de embarcação
Densas, permanentemente fechadas não impediram
A ação de suas passagens a outras dimensões obscuras


E lá, você caminhou lado a lado dele
Numa tentativa desesperada de sobreviver sem ele
Mr. Thin White Duke está chamando
Ele está te testando, me testando, novamente


Testando nossos limites, sendo aprazível, se aproximando
De nós com aquela cara de vivo-morto cor de giz-de-cera
Não respira e parece sucumbir no ato da aproximação
Fama e renome fizeram-no ter, em Berlim, comiseração da


Decadência artificial, há tempos não revê Metropolis em cartaz
As cartas de Fritz Lang te confundiram muito, meu rapaz?
Esquálido as lia, elas mudaram seus planos selados, fizeram-no repensar nos conceitos abstratos
Em Faust, no antipop, em Kraftwwek e no Krautorock, quadro urbano metálico


Som expressionista, oposto ao minimalismo pós-punk
Outrora, espaços escassos de ensaio, salões da Gestapo
Trilogia de Berlim: Low, Heroes e Lodger, concebidos distantes do lar
Protagonista dramática que só busca se conhecer para aos fanáticos tentar se explicar




*Título extraído da canção
“Station to station” (1976),
David Bowie.

domingo, dezembro 11, 2011

Consulta com o Dr. Nietzsche


"Estar cego não é uma miséria
Não ser capaz de suportar a cegueira
É a miséria"
(John Milton)





Meu nome é Nietzsche
Friedrich Nietzsche
E sou o médico
Vim trazer-lhe a cura


Olhe para dentro de si
Quanto adquiriu de cultura?
Consegue suportar o desespero?
Acrescente uma pitada a cada dia, em desiguais proporções


Como um tempero, e lembre-se, me ouça:
O tratamento é longo e doloroso, sem ópio
Será preciso encontrar muita força
Para conseguir ajudar a si próprio


Só assim, meu pupilo, conseguirá levar o espírito do espírito
Para as futuras gerações e já não é mais tão menino
Descobriste nesse árido caminho
Que a histeria não é só da alma feminina


Quem não sabe escutar
Pouco acrescenta ao falar
E, para terminar...


Nunca mais cante aquelas antigas canções de ninar
Pois, a recompensa da morte
Consiste em nunca mais chorar



*A Friedrich Wilhelm Nietzsche
(15/10/1844 — 25/08/1900).