domingo, outubro 24, 2010

Fossas nasais



Desde o infortúnio que o acometera
Acordava todas as manhãs, sempre as dez
Sentindo um enorme desconsolo, aumentava-lhe as olheiras
Por um desconforto estético que jamais esquecera
Tornara-se criatura amorfa, e toda sociedade podia vê-la



Aventuras raras acontecem nesse mundo malfadado
São pouquíssimas, mas acontecem
E quando longe nos passam despercebidas
Admito, é uma estranha narrativa essa de se perder o nariz
Incoerente? Todos os fatos podem ser considerados?
São mínimos e nada acrescentarão além do já sabido



Ao contrário
Como as farsas
Que são atraentes
Por serem tão frequentes
Absurdas e inquietantes


. . .


Olhou para o espelho e percebeu seu nariz
Estava intacto e ele o apalpou
Lançando-lhe água em abundância
De alívio, então, suspirou
O pesadelo acabou e não havia sequer cicatrizes



Por um instante, esquecera todo o tormento que passara
Espremeu uma acne antiga, desde a época do sumiço
Estava lá, intacta...
... Por onde quer que andara
Fizera permanecer aquela afecção cutânea de volta à cara



Muito estranha... Inverossímil e surreal
Também não há como rimá-la
Talvez a mais estranha estória envolvendo moral e ética
Sou incapaz de entendê-la
Fato esse acometido nas longínquas plagas soviéticas



De tão hermética, perdeu-se em densa nuvem
Tente então, leitor, desvendá-la
O nariz do Major Kovaliov
Passeou entre nós, disfarçado
Por algumas semanas, de Conselheiro do Estado



E, como se nada tivesse acontecido
Num súbito gesto ocorrido, foi e voltou
O reencontrou e se reacoplaram despercebidos
Era sete de abril em mais um dia frio e nublado
E, esse fato, se espalhou como lenda pelos arredores de Stalingrado.




*Baseado em: “O Nariz”, conto de 
Nicolai Gogol (1809 – 1952).

segunda-feira, outubro 18, 2010

Medo do medo




“Depois que eu morrer, 
não morrerei nunca mais!”



Medo de sexta-feira 13?
Medo de superstição?
Derrame vascular cerebral?
Ataque fulminante do coração?
Há uma reunião em movimento no local disponível
Caímos no esquecimento e isso é importante
Descobrimos que o mundo não precisa de nós
Aliás, nunca precisou...
Podemos nos reunir novamente?
Sem aquela bendita autorização do Rogério Skylab?
Transito em julgado, acabaram-se os recursos vãos
Não há como recorrer, para onde nos levarão?
Quando tive legitimidade para representar
Cedi minha propriedade, procuração para certificar o óbito
O perigo era iminente, vinha pelo mar
Expressamente autorizado, não há o que contestar
Ressalvo alguns casos
Casos de fobias, fobias estranhas
Entranhas, fofobias
Quando ninguém me ouviu, gritei!
Medo do medo, fobofobias
Medo do pop, fotofobias
Mensuro a ansiedade
E, percebo que há caminhos de elevação
Medo de ficar solteiro?
Você, meu amigo... Tem medo de que?
Medo da câmera, medo do microfone?
Eu temo as águas rasas, baratas aladas
Tenho medo das pessoas, dos silicones
Sinto-me bem só com os cachorros
De rua, sarnentos e esquálidos; famintos
Medo de quebrar a medula?, nem sinto
Medo do desamparo, da solidão e do escuro
O que é belo a luz do sol, torna-se assustador nas madrugadas
O sol ainda demora, o horizonte é muito negro
Há de se morrer no vaso, pelo atraso, num engasgo, eu engulo.




*A Rogério Skylab
(02/09/1958).

terça-feira, outubro 12, 2010

Outro café, por favor, querida








Por favor, traga-me outro copo de café
E algo para comer, minha querida Sarah
Até Durango, o caminho estreito é longo, árido e frio
Entenda-me, devo descer pelo vale e seguir a estrada rumo à vila
Depois da tequila, faz-se a hora de partir, sinto uma dor tremenda



Jamais receberei uma correspondência sua
Sei que não lê e nem escreve, sua escola foi a Cantina
Em sua estante nunca houve livro algum, só copos e garrafas
Mas, como sua mãe, conhece muito bem o futuro
E, ele está escrito, na palma de minha mão direita



Seu pai lhe ensinou como conduzir o teu pequeno reino
E, manuseia uma faca como ninguém nesse vale árido
Nunca atingirei as profundezas do seu coração
Ele é negro e denso como o oceano
Quando estamos juntos, não há limites para a satisfação



Solitário, deitei-me numa duna e olhei para o céu
Não havia uma nuvem sequer e meus olhos arderam
Muito fácil contemplar, impossível definir...
... O firmamento, a criação, lagartos e abutres
Todos estão ao meu redor, me esperando sucumbir



Você sempre esteve próxima, sempre ao meu alcance
Agora, como o cheiro do mar, está tão distante
Será que um dia, sentirei novamente aquele cheiro?
Você vinha dourada, em minha direção, toda molhada
E, ao crepúsculo, sentávamos e bebíamos protegidos pela enseada



Por favor, traga-me outro copo de café
E algo para comer, minha querida Sarah
A estrada é longa e fria até Durango
E, faz-se a hora de partir
Descer pelo vale para meu caminho seguir.




*Baseado em: “One more cup off coffee”, 
de Bob Dylan.

quarta-feira, outubro 06, 2010

O fantasma de Jack White




Não me importa o caminho
Nem a chegada ou a espera
Só o fantasma de Jack White me acompanha


Ouça-me, serei muito sincera:
Vou em frente, você não faz parte dos meus planos!
Sem expectativas, deixe-me em paz, saia de minha mente
Sou complacente, pode levar o jornal, dê uma olhada nos classificados


Pergunte às suas amigas se elas conseguem ver...
... O fantasma de Jack White que se excita comigo
Que a minha força é maior do que todas elas juntas
Não me importa se fui a primeira ou a sétima, só me resta a dor
A única coisa que preciso é de uma barra de chocolate
... Meio-amargo, por favor!


*A Jack White
()9/07/1975).

segunda-feira, outubro 04, 2010

... Preciso da grana para o aluguel














Palavra por palavra, nota sobre nota
O dinheiro vale tão pouco quando nos deitamos juntos
Você me traz esperança e contigo consigo sonhar
Leva-me para jantar as terças e, para me impressionar
Sempre pede aquele tinto português e caviar para acompanhar




Nunca discutimos os gastos
Nunca me pediu para interar
Nunca me disse: Eu te amo!
Nunca hesitou em se acomodar
Venha, deite-se aqui ao meu lado




Quero mostrar-lhe algumas faturas
E, você sabe o quanto eu o amo
Palavras que não significam nada aqui nesse motel
Aliás, hoje é dia 15...
Preciso da grana para o aluguel.