quarta-feira, junho 30, 2010

A garota do Chelsea Hotel




Perco-me nos corredores daquele hotel
Nele, passo as noites flutuando sobre seus empoeirados carpetes
Isso é o suficiente para me deixar doente
Johnny traz-me o que preciso enrolado em plásticos transparentes




Ele vem agora... Estaciona perfeitamente
Vejo-o chegando, da janela fico à sua espera
Deve ter acabado de tomar o elevador
E se dirige ao quarto 115, ou seria o 506?


Talvez ele me encontre
E me trate mal outra vez
Ele pensa que é alguém, porque seu pai é alguém
Somos humanos de espírito ausente


Confundo o passado com o presente
Não estou para suas brincadeiras
Mas, mesmo o amor perfeito não é duradouro
Dê-me o que preciso, sei que está em seu bolso


Do negro blusão de couro, o mesmo de sempre
Desde a primeira vez, usava-o
Agora, usa-me em brincadeiras inconsequentes
Hoje, está diferente... O que se passa?


À minha frente, percebo uma jovem indolente
Apática, carrega sedas e papéis, chama-se Ingrid
Venham todos agora, entrem, vão se acomodando
Em breve a festa acaba, fico eu no Chelsea Hotel...
Onde meu mundo está sempre desmoronando.




*A Nico (16/10/1938 - 18/07/1988)
e seu álbum: 
“Chelsea Girl” de 1967.

terça-feira, junho 29, 2010

Mate-me, sou um lobisomem!



Acredite em mim, não estou demente, Marty!
Meu corpo trava uma batalha com minh’ alma
Não posso me controlar diante da lua cheia
Mas, continuo sendo o Reverendo desse lugar
Não sou forte e nem puro de coração; ainda devo tentar?



Só o verdadeiro amor, inibirá a transformação
Sou um lobisomem, o único na face da Terra!
Dentro do meu corpo, alma e espírito estão em guerra
Permita-me que eu me levante e siga adiante
Nessa guerra constante, não há nada semelhante



Mas, o espírito do lobo é forte, não vacila
Extremamente forte e impede-me da libertação
De tentar criar um novo destino, amar aos outros e ter uma vida comum
Ouça-me com atenção: Só há um meio, só um!
Pegue aquele crucifixo e produza uma bala de prata
Aponte-me a arma e atire em mim sem remorso algum



Jane use a bala de prata, agora!
Destrua-me antes que a noite chegue
E, eu me transforme e mate mais alguém
Tarde demais... Eis que vem a lua surgindo
Subindo atrás da colina, me atraindo
E um intenso calor me afligindo...





*Baseado em: “Silver Bullet” (1985).
Direção: Daniel Attias.









segunda-feira, junho 28, 2010

Eugene, tenha muito cuidado!



I

Ouça Eugene
As estrelas estão gritando
Elas não aceitam as nossas mentiras
Por isso, gritam muito alto!



II

Eugene, tenha cuidado
Você pode se machucar
O machado que carregas está muito afiado
E, eu não suportaria vê-la sangrar.




*Baseado em: Careful With That Axe, Eugene. 
Álbum: Ummagumma (1969),
Pink Floyd.

sábado, junho 26, 2010

O batismo do bastardo



Sei muito bem que hoje não é domingo
Mas, os sinos badalam e não há comércio
O Castelo do Barão está em festa
Os cálices estão transbordando de finos vinhos
Dançarinos e convidados aplaudem
O banquete preparado para o mendigo


Dancem, dancem e comam
Brindem, brindem ao Barão!
É a festa de seu casamento
Roam os ossos enquanto os noivos se retiram
Boa noite cavalheiros, boa noite moribundo!
Boa noite Barão, boa noite Baronesa!


...


A esposa do Barão foi enterrada, morreu de enorme tristeza
E, ninguém se lembra daquele mendigo imundo
Estamos apodrecendo na masmorra
Mesmo assim, sei mais sobre o mundo do que você imagina
Todos os dias, a filha do carcereiro vem me saciar
Saciar a fome, a curiosidade e da sede me livrar


Nessas paredes há páginas de antigos livros
Nelas, estudo os astros e a geografia me desafia
Abdiquei-me de toda e qualquer superstição
Mas, há uma lenda que deve ser respeitada
Não se deve conceber um filho indesejado
Nem em abril, muito menos em março para que não nasça em vinte e cinco do último mês


Talvez, os céus não permitirão esse pecado, talvez...
... Ouça-me desta vez, há um legado:
Um lobo uiva e a criança nasce!
Carregando consigo a “maldição da lua” nasceu pleno, bem me lembro
Em dezembro, o sol se pôs antes da hora e veio a tempestade de raios, iluminando a aldeia
Na hora do batismo do bastardo, em minha casa, iniciávamos a nossa ceia.








*Baseado em: 
The Curse of the Werewolf”. 
Direção: Terence Fisher (1961).

sexta-feira, junho 25, 2010

Na lua cheia, a hora da metamorfose










Vocês não são bem-vindos nesse lugar
Saiam logo daqui!
Mantenham-se na estrada
E, tomem muito cuidado!
Cuidado com o que, Mr. Davids?
Com a lua meu jovem, com a lua...
Jamais entrem no pântano
Sigam somente pela estrada
E, se ouvirem um uivo aterrorizante
Saibam: Não é o cão dos Baskerville



As pessoas desse lugar são muito estranhas
Não entendi o motivo de tantas precauções
Seguir pelo caminho, não andar pelo pântano
Cuidado com a lua...
O que será que ele quis dizer com isso?
Não sei, mas no Pub estava mais quente
O frio corta meu pescoço
E não sei por onde seguir
Sinto que estamos rodando em círculos
Entramos no pântano e não vejo nada



De súbito, um ataque feroz
Não havia chance de defesa
Somos presas, diante de um enorme predador
Fuja Jack! Ah, ele foi atacado...
Destruído, está morto e estraçalhado
Eu estou ferido e sinto-me estranho, não há nenhuma dor
Meus sonhos são horríveis e tão reais
Agora, todas as noites, meu amigo vem me visitar
Me fala coisas perturbadoras, não consigo acreditar
Disse-me que sou o último lobisomem na Terra



No limbo, sua alma está a vagar
A linhagem deverá ser destruída
Só assim encerra-se a maldição
Passei três semanas num quarto de hospital
Diante de uma réplica de “Os Girassóis”
Não sinto fome, e ganho força a cada dia
Sobre esses brancos lençóis
Nem Van Gogh ficaria tão louco quanto eu estou
Vou matar muita gente, essa é a Maldição da Lua
Pelas ruas, ser protagonista de um espetáculo de terror



Por favor, acredite nesse espectro que vos fala
Os fantasmas, o poder das trevas, tudo isso é verdade
Antes que a lua torne a surgir...
... Você deve se matar!
Acabe de uma vez com sua vida!
A hora da metamorfose chegará
Liberte-me desse lugar
Lembra-te de ter acordado entre lobos?
Na noite passada, cinco pessoas foram atacadas
Feridas, destroçadas...
Eram pais de família, cidadãos comuns, jovens promissores
Hoje jazem numa tumba
São protagonistas de um funeral, choram-se as perdas, são enormes as nossas dores
E, as autoridades estão no encalço de quem provocou esses horrores.




*Baseado em:
"Um lobisomem americano em Londres".
Direção: John Landis (1981).

quarta-feira, junho 23, 2010

A maldição do lobisomem






Mesmo que tenha um coração puro
E faça suas orações antes de dormir
Posso lhe garantir...


... Tornar-se-á lobo, o homem
Quando a lua de outono brilhar
E a mata-lobos vier a desabrochar



*Poema baseado no diálogo entre Larry Talbot e Gwen Conliffe, no filme: “The Wolf Man”. Direção: George Waggner (1941).

terça-feira, junho 22, 2010

Poema para Larry Talbot



"Não havia
Licantropia
Muito menos superstição

Descanse em paz...
... Seu sofrimento acabou
Mr. Larry Talbot"






É quase lua cheia e eu estou mudando
Vejo-a surgindo...
... Uma fúria interna vem crescendo
Jesus Cristo!
Eu estou queimando...




Ah, minha bela Gwen!
Os meus sonhos estão cada vez mais reais
Eles me avisam e me mostram do que sou capaz
Capaz de fazer com minhas duras presas
Use o pentagrama e não ficarás indefesa




...




Súplicas e orações não lhe adiantarão Mr. Talbot
Solitário e de joelhos, sinta o calor dominá-lo
E, em seu quarto, implorar pelo perdão
Para que, quando a lua estiver cheia e brilhante
Nunca mais se torne aquele lobo aterrorizante




Não importa a pureza, o que vale é a destreza
Para fugir dos tiros, armadilhas e pentagramas
Do coração do homem não se mede a grandeza
A licantropia é uma certeza, extinguiu-se a virtude
Amiúde, uma raiva emana e a fúria lhe nutrirá as chamas
Vem à hora da metamorfose que o incitará a novos dramas



Bela foi para um mundo melhor
E eu não romperei a tradição cigana
Embora não fosse sua, a culpa
Quem permanecer vivo terá um caminho conturbado
Ele percorreu um vale espinhoso e agora descansa
Nossas lágrimas secarão e não nos restará nenhuma lembrança.




*Larry Talbot: 
Personagem do filme “The Wolf Man”.
Direção: George Waggner (1941).

domingo, junho 20, 2010

Afirmações do Dr. Frankenstein









Cavalheiros, ouçam-me com atenção
Explicar-lhes-ei tudo, passo a passo
Em anos de pesquisa, observei
Que a alma não abandona o corpo
Tão rapidamente
Do instante em que morremos
Até sua partida definitiva
Têm-se alguns preciosos minutos



Como tem coragem de afirmar-nos isso, Dr. Frankenstein?
Estamos perdendo nosso tempo!
Isso... Isso é um insulto!



Senhores permitam-me...
Se ficarem e assistirem
Atestarão a veracidade de minha tese
No instante da morte física
Capturo a alma, essa é a chave
Ter a alma rapidamente em minhas mãos
Para num corpo reconstituído, instalá-la então
E lhes afirmo:
Não se trata de suposição
É fato e Fritz confirma-lhes meu experimento!



O senhor então crê que dominou a morte?
Exatamente!
E estou plenamente consciente



Quando se morre, sucumbe-se apenas a matéria orgânica
Não a alma; físico e espírito se separam
Resta somente um corpo deteriorado, extinto e violado
Mas, conservando-se a alma
Que se irrompe lentamente ao outro lado
Pode-se transferi-la a um corpo reparado
E, num sopro elétrico, dar-lhe vida, ressucitá-lo
Demonstrarei a todos que venci a morte e posso manipulá-la



Basta, doutor!
Não é porque sua suposição é verdadeira
Que devemos acatá-la, aceitá-la, dar-lhe apreço
Que Deus lhe valha!
Manipular a vida tem seu preço!



*Baseado em: Frankenstein (1831), 
romance de Mary Shelley.

*Homenagem a Colin Clive: 
(20/01/1900 - 25/06/1937). 
Ator Francês que interpretou o Dr. Frankenstein no filme de 1931 do diretor James Whale.

sexta-feira, junho 18, 2010

R.I.P. José Saramago


"Hoje, o mundo ficou um pouco mais cego"


Tuas ficções me contaram muito
Nutriram minhas dúvidas, fizeram-se plenas
Irromperam-me num ritual de passagem.

Precisei fingir para descobrir o que
O que realmente eram...
E fingiam me contar a verdade.








*A José de Sousa Saramago, (16/11/1922 — 18/06/2010).
 Escritor e Prêmio Nobel de Literatura em 1998.

terça-feira, junho 15, 2010

A beira do abismo





Durma comigo, à beira do abismo
Sem cinismos trago-lhe a maré
Tenha fé, às margens do túmulo preparado
Por mim; quebrados foram os sacros objetos


Antes, faça deles uso profano, enfim...
Entre excrementos e dejetos, ervas e enganos
Galhos, árvores vivas, mas secas; não há definidas estações
Extinguiu-se o Sol desse hemisfério e os verões; mistério?


A Lua está morta, órbitas insanas; constatações
Nuvens se desintegraram entre fumaças negras
Fome que mata e mata aos poucos, estabelece-se a verdade
Cidades que se odeiam e criam porcos em varas, por vaidade


Nos jardins do poder cultivam-se ambições psicóticas; dissociadas searas
Terras secas, rios turvos e disciplinantes raivas
Afrouxam-lhes os dentes, lhes inflamam as gengivas
Extinguem-se as assembléias por dispersão dos membros


Corrupção, depravação e devassidão, açucares e cáries
Corpos de inimigos e hostes tornam-se poeira na desoladora paisagem
Enquanto as almas ardem nas chamas das fogueiras
Espectros surgem arrastando-os para a beira...
Do abismo que dormimos juntos, à margem.

segunda-feira, junho 14, 2010

Cinzas vão para as cinzas



Ontem ouvi uma antiga canção
Falava sobre, um certo, Major Tom
O controlador supremo dos vícios e das mensagens
O que abandonou o Paraíso e partiu em viagem


Os conselhos de minha mãe, nunca segui
Ela me apresentou Syd Barrett, e eu entendia os seus dilemas
Agarrei-me num quadro de Marlene Dietrich
Pensei que assim, tornar-me-ia uma antiga rainha do cinema


Perdi minha cabeça, minha lanterna e
Não encontro o meu açoite
Só sinto meu melhor amigo em meu bolso
Trancado nessa cela poderei ficar sóbrio por uma noite


Lembro-me quando manuseava o machado
Meu Deus como eu a amava!
O que eu fiz de bom, quantas maldades cometi?
Depois que o sangue escorreu nunca mais a vi


Soube que se tornou, pelo caminho, na decadente máxima
Não adianta chamá-la, nem vale à pena gritar
Cinzas vão para as cinzas sem nenhuma razão
E, por aqui, não há mais graça e nem diversão


*Baseado em Ashes to Ashes, 
memorável canção de David Bowie
(08/01/1947).

quinta-feira, junho 10, 2010

Ao meu amigo Parkinson!




Beberemos à memória
A memória do amigo
Um brinde, e depois
Leve-me contigo.




Minha mão tremeu
E a taça foi ao chão
Já não tenho o punho tão seguro
Tenho não...




Todavia, esse ato me desafia
E, de novo, ergo-a, pois
Volta ao chão e se desfaça
Antes taça...




... Agora, pedaços de vidro nobre
O convido à outro brinde
Mas agora será feito
Em meu velho cálice de cobre!


*A Roberto Piva: (25/09/1937).

quarta-feira, junho 09, 2010

Sobre gírias e Bilac


Semântica dos canalhas
Covarde audacioso
Sou leitor sensorial
Subjetivo
Extrapolado, curioso

Informações explícitas
Deixo de lado, impaciente
De fato, aprecio o insensato
Em implícitos pensamentos
E, benevolente, acato teu ato
Participo do presente

Pacato, nunca fui
Mas sei onde está
A carta que tu procuras
Sempre esteve em tua bolsa
Fobia de encontrar?
Receio de lê-la, se emocionar...

Fiz leituras prévias da missiva
Levantamento de hipóteses conclusivas
Cultivo a flor do Lácio em minha sala
Assim como Bilac
O Príncipe dos poetas em destaque
Jogo
da fala, tive idéias alusivas

É a última Parnasiana, sorrateira
Palavras que surgem fácil
E se incorporam, toda semana
Outras que se extinguem
Caem no ostracismo
Quem se ilude esperando mais?

Oprimidas pelos vindouros
Suprimem-se, são caladas
Entram no desuso da razão
Pela língua falada,
Extirpadas serão da comunicação
Mas, eis que surge o novo
Inédito jargão
Dinâmica expressão

E novas gírias são criadas
Incorporadas pela população
Disseminadas, faladas
E, novamente, cantá-las vão
Substituem-se as esquecidas
Novo dia, nova criação
Não falo como escrevo
Nunca desejei que fosse assim
Mas, as gírias reconheço
São uma ferramenta útil, mas não para mim!


 



*Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac 
(16/12/186528/12/1918).
Jornalista e poeta brasileiro, membro fundador da Academia Brasileira de Letras.

terça-feira, junho 01, 2010

A espera de um milagre



Estou na fila de espera
Dos mutilados de guerra
Minha Nação venceu o inimigo
E aguardando medicamentos
Não há ninguém comigo


Estou, desde então
A espera de um milagre
A Segunda Guerra Mundial
Adiou meu casamento
E você, sem perder tempo, caiu na estrada


Lembra-te quando, ficávamos deitados na chuva
Apertávamos os polegares um do outro
Estávamos sozinhos há muito tempo
Acabaram de perguntar como estou me sentindo
Você era tão leve e agora eu estou caindo


A espera de um milagre
Eu estou caindo
Minha guerra feriu você
Mas a culpa não foi minha
Estava com as mãos atadas
Esperei metade de minha vida
O barulho do trem anunciou-nos a partida
Sei que realmente me amou
E eu continuo...
Continuo a espera de um milagre!


*Baseado na canção: 
Waiting for a Miracle de 
Leonard Cohen
(21/09/1934).