sábado, julho 12, 2014

RETINAS QUEIMADAS - PRÓXIMOS TÃO AUSENTES


RETINAS QUEIMADAS - PRÓXIMOS TÃO AUSENTES.
(Núbia Poison / Marciano James / Rasec Augusto / Nosfa #)

Licença: CREATIVE COMMONS.

quinta-feira, julho 10, 2014

No limite do mundo



Vamos ladeira abaixo pela rua das desilusões
É tempo de nos abrirmos um ao outro, Sioux¹...
... Puxe meu cabelo e me mostre suas paixões
Vamos cortar essa conversa cheia de senões?

Emoções fúteis foram as únicas coisas que tivemos
Nos últimos tempos só pisamos em pregos enferrujados
Por outro lado, estamos buscando a fórmula de maneira empírica
Nos apoiando exclusivamente na experiência e na observação.

Lírica, você me dizia de forma satírica
Charlatão que cura minhas doenças sem noções científicas!
Tremendo na cama, faz-se de vítima e canto-lhe uma canção
De ninar, singela como uma new wave deveria ser:

“Overground from abnormality

overboard for identity

Overground for normality

overboard for identity…”

Vivemos no limite do mundo, da normalidade, no limite um do outro
Pouco a pouco, o vento torna-se tão frio...
... Tão frio como um corpo sem vida, um corpo morto
Você então suspira e vira os olhos mostrando-me o açoite.

Sem prometer, percebo quando serei o jantar da noite
Mastigado por calafrios e corroído pela ansiedade
Vagarosamente, sou feito em pedaços e, por ti, digerido
Não há nada que eu possa fazer e sucumbirei pela milésia vez.

Calmamente, me olha e anui com a cabeça
Sorri e me diz, confiante...
Fique tranquilo, não lute!
Ou me apaixonarei novamente, por ti, nesse instante.



¹Siouxsie Sioux (27/05/1957).
é vocalista da banda Siouxsie And The Banshees.

quarta-feira, julho 02, 2014

Como um corvo



   "And I'll walk away in spite of you."
                                                                     (Crowds: Bauhaus)


Tire de mim o que quiser
Estou cansado das suas dissimulações
Mas, as minhas roupas...
... Ah, minhas roupas!

Só sairão de mim se forem rasgadas
Pela força, verás meu corpo nu e desolado
Despojado, eu cantarei sobre você em minhas loucas canções
Isso me deixará mais forte e voarei para longe.

Flutuando no ar, espoliado, verei tudo de cima
Decerto, deixei de caçar como um corvo
Hoje, ando no concreto, tomando cuidado ao virar a esquina
Quando nos depararmos, você cuspirá em mim e eu lhe direi tudo.

Novamente, direi que sua presença empalidece a paisagem
E, na sua ausência me fortaleço, as suas ordens esqueço
Solte-me, vou-me embora e de ti não me despeço
Reconheço, insisti em algo que foi nocivo para mim.



*A Bauhaus. 
Banda pós-punk 
e sua fase de 1979 a 1983.

segunda-feira, junho 23, 2014

Um brasileiro em Budapeste



“E a mulher amada, de quem eu já sorvera o leite
Me deu de beber a água
Que havia lavado sua blusa”
(Chico Buarque: Budapeste)



Neon; entro em “The Asshole” vejo anônimos felizes se embriagando, dançando...
... Tristes, cantando, repetindo gestos, pessoas desconhecidas, flertando

Taças de aguardente; todos ao redor daquela dançarina, amando-a

E contemplando-a me coloquei em suas mãos, aceitei-a; acendo um Fecske



Aceite-me; aqui em Pest margeei o Danúbio, já não há tempo para remorsos
Pensar em casa, felizes sem mim? Tirei a criança obesa do coração, estou leve

Deixei o amanhã reluzir, ouro e prata brilham tal qual o idioma de Kriska; sua língua, seu pescoço alvo como neve

Esta aqui vai para a mãe de meu filho, que deixei do outro lado do mundo, que amava...


... Esta aqui vai para aquela que eu abandonei num avião para Londres
Uma simples palavra para ocupar meu tempo; seu corpo branco, branco... Branco como a luz do dia!

Zsoze Kósta... Zsoze Kósta, sim! Esse é o meu nome desde que cheguei na Hungria


Esta aqui vai para aquela que eu amo: Aprendi a chegar em Újpest!
Descobri um jeito de fazê-la sorrir; tão bela, vivendo nesse lugar lúgubre, esquisito
Fora da mente, cavo um buraco e jogo nele palavras e verbos das quais não necessito.




*Baseado em: Budapeste, romance de Chico Buarque (2003).

terça-feira, janeiro 21, 2014

RETINAS QUEIMADAS:ESTOU TENDO ALUCINAÇÕES (Parte 5-6-7-8-9-10)



RETINAS QUEIMADAS:ESTOU TENDO ALUCINAÇÕES (Parte 5-6-7-8-9-10)
(Núbia Poison / Marciano James / Rasec Augusto / Nosfa #)

HOMENAGEM a banda underground paulista: 
ALUCINAÇÕES BUROCRÁTICAS.


quinta-feira, janeiro 16, 2014

Vinte e sete de julho de dois mil e vinte e sete




“Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare”
(Poética: Manuel Bandeira)



Vinte anos se passaram... Tudo por aqui é tão raro
Raro e comum, familiar e desconhecido
Ah! Como é bom vê-los chegando...
O lugar do início tendo-nos de volta

Lugar de onde nunca devia ter saído, mas poucos ficaram
Outros foram e voltaram; saí pequeno, continuamos crescendo
O espaço crescendo, amigos chegando e o lugar se agita
Um brinde ao tão aguardado, enfim o “Encontro Marcado”!

Nessa praia doce a banda do Belo toca acordes inexequíveis
Ao violão, uma gaita ecoa; você é bem real e está ainda mais forte
Conheceu o mundo, quantos filhos têm, ganhou dinheiro na Bolsa?
Esqueça os valores; peça uma canção e conte-nos estórias

Aquelas mesmas, velhas estórias conhecidas, por nós esquecidas...
... Depois peça um drink, outro... Cerveja fria e algo para beliscar
Tire os óculos, seus olhos parecem cansados para ver o pôr-do-sol
Busque seu casaco no carro, pois agora mesmo irá esfriar

Você se lembra... Nunca faz frio nesse lugar!
Vamos para a areia, nos sentarmos à beira
Contemplaremos o céu, as estrelas e tossiremos a brisa
No ar nuvens se movem, achem um lugar para todos ficarmos juntos

Depois que esse dia acabar ninguém tornará a ir embora
Pés na areia, cantaremos “Love me two times” noutra tarde ensolarada
Em êxtase, entorpecidos por lembranças, cairemos...
... Nas covas rasas que nós mesmos cavamos; e pelo mundo, esquecidos seremos

Arranquem da memória todos os Marcios que há em nós!
Esquecer-nos-ão os Leandros, os Nilsons e Paulos, todos afoitos eram...
Somos os Eduardos dos nossos rostos, os Cláudios de julho e agosto
Sol nos ouvidos, pecados cometidos, desavenças insensatas, ardem

Na face, e o ateu piedoso se exalta à beira da enorme piscina
Azul, pálido, amarelo, grita impropérios, espirra e tosse desatinos
Vejo nuvens refletidas; todos, a sua volta, admiram sua interpretação
Enquanto o aplaudo ele me olha e diz: Deixe o copo e venha, vou te dar uma lição!

Só nossa terra aprova nossas loucuras, nossos desacatos, mordidas nos corações...
... Selvagens, nada nos convence de que somos nossas próprias frases, nossas línguas
Fases de aranha tecendo, se equilibrando entre invisíveis teias nítidas
E nelas, unidos permaneceremos cantando Whitman e celebrando a vida
Até o dia que, chega o trem na Estação Maiakóvski anunciando nossa partida.





*No dia 27/07/2027 haverá um encontro de amigos 
Na praia de Miguelópolis SP.

segunda-feira, dezembro 30, 2013

O construtor de pirâmides (Parte 2)



“You are young and life is long
And there is time to kill today
And then one day you find ten years have got behind you”
(Pink Floyd: Time)


Mr. Walters, por favor, atravesse o rio
... Nilo, sereno, tocando em compasso falho
E, me deixe propositadamente um vazio
Para que eu me complete, só assim perceberei...


... Acordes, tons, ruídos, colagens sonoras, crianças em uníssono
E a obra-prima será criada, gigantesca como uma pirâmide
Um álbum com uma música única, gerado e concebido...
... Construído a partir de várias micro-canções, um filme em P&B


Ligações conceituais, visão e audição, interagindo e se completando
Formando uma parede; tijolos e tijolos sobre reverberações
Vamos começar a sessão; prismas, um a um sobre...


... Pilhas de dinheiro; em tempo, um lunático “On the run”
Dorothy e seu cachorro; o “Mágico de Oz” ganhando cores
E o leão rugindo em sincronia com “The Dark Side of the Moon”



*Homenagem ao ex-lider do Pink Floyd, Roger Walters.
*”The dark side of the moon” (1973) é um álbum do Pink Floyd que, se sincronizado com o filme “O mágico de Oz” a partir do rugido do leão na vinheta de abertura da Metro-Goldwyn-Mayer Inc (MGM) torna-se uma trilha sonora paralela durante os primeiros 43 minutos do filme.


sexta-feira, novembro 01, 2013

A amante de Mellors



“(...) Numa delicada convulsão, o mais vivo do seu espasmo foi alcançado;
Ela o sentiu alcançado – e tudo se consumou:
Seu “eu” esvaiu-se; Constance não era mais Constance,
Apenas uma  mulher.”
(Trecho de “O Amante de Lady Chatterley”: Lawrence, David Herbert)


Tentando ficar de olho, como um cego magoado, vejo-te iluminada
Perdido nessa cama, sem perceber a dica do dia, paraplégico e inválido
Dizendo o que não devia a mim mesmo, recordando o passado saudável

E puxando assunto com as paredes, sou o barão Clifford Chatterley.


Considere isto, pecado e traição entre folhas da Bíblia...
Coladas até o teto; clamando a salvação, entrego-te querida
A guerra me deixou incapaz, marcou minha existência 

E o que aconteceria se você não tivesse realizado suas fantasias?


Se nunca tornassem realidade, se não conhecesse os prazeres da carne?
Eu sei que fui longe demais, Chatterley, mas você me incentivou...

Sempre via você sério, contando-me histórias sobre a guerra e seus feridos.


Achei que poderia ouvi-lo cantando, tentando voltar a andar
Pensei ter visto você tentar... Ouça-me, vou lhe falar, meu marido

Apaixonei-me por Mellors e, um filho dele eu estou a esperar!




*Baseado em 
O Amante de Lady Chatterley (1928)
D. H. Lawrence.

quinta-feira, outubro 17, 2013

A distância entre nossos olhos



“Os homens compram tudo pronto nas lojas...
Mas como não há lojas de amigos, os homens não têm amigos.”
(Antoine de Saint-Exupéry)


A vida é muito maior do que você e eu
Eu não sou você, não somos um do outro?
Os extremos que eu percorri são menores do que a distância entre nossos olhos
Sozinho, comigo mesmo, eu falei demais...

Puxei aquele assunto proibido, esse sou eu no canto
Aquele sou eu no centro das atenções, minhas atenções, redescobertas
Perdendo minha fé e encontrando-a em seguida; canto um Salmo
E tento me igualar a você, a mim mesmo, como uma fábula.

Não sei se consigo fazer as mesmas perguntas, num monólogo
Já me questionei demais, busquei respostas que não queria encontrar
Não me convenci o suficiente para me fazer rirnarrar um prólogo.


Antes, acho que pensei ter visto você tentando me explicar...
Por favor, desenha-me um carneiro¹, resgata minh’alma do celeiro
Perdoe minhas confissões, subamos nesse aeroplano e desse deserto iremos decolar.




1.”Por favor, desenha-me um carneiro”: Frase extraída do livro: O Pequeno Príncipe (1943)
*A Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry (29/06/1900 – 31/07/1944).

domingo, outubro 13, 2013

Kri Demmall passando



Quem se lembra de uma nuvem?
(Guy de Maupassant)


Lá vem ele; pela janela posso ver...
... Kri Demmall passando, através das cortinas, passando
Com seu jeito despojado, torto, vago, sem chapéu
Trazendo consigo um valor finito que desvaloriza sua possuidora

Um trago; por ele, deixei minha casa, abandonei a velha cidade
Sou réu revel, vou a deriva, de terra em terra, ora vermelhas...
... Amarelas, estou diante de outra estrada; da face escorre-me sal
Eu, que sou um homem de família, acusado fui por Kri Demmall

Passando; sobre minha cabeça, urubus girando; grilos e cigarras em uníssono
Cantando acusam-me, dizendo que aquele favor, outrora favor de amigo
Tornou-se uma desgraça, uma aflição terrena, um torpe vício

Você ainda me considera um amigo?
Desde que o sol escureceu e a lua silenciou-se, clamo a Deus em suplícios...
Vivendo em quartos pagos, de joelhos; num eterno e incessante castigo.






*A Henri René Albert Guy de Maupassant (05/08/1850 - 06/07/1893) e seu amigo Gustave Flaubert (12/12/1821 – 08/05/1880).

quarta-feira, setembro 04, 2013

Medo de voar

 “A campainha da casa do comissário Walter Moeding toca...
                                 Declaro que, naquele dia, por volta das 12h15 
                                                Atirei em Werner Totges e o matei”
                           (“A honra perdida de Katharina Blum”, Heinrich Böll)




Paul Morel confessou todos os crimes...
... O delegado Fonseca acende um cigarro e respira fundo
Na capa do Bild, uma foto e parte da matéria que esclarece os fatos
Será levado à juri popular em alguns meses, pegará uns 40 anos, pensa...


... Numa cela fria do 14º, garfos de plástico, um velho colchão úmido
Não é como um lar, mas você sabe, será provisório, sem janela ou TV...
... Pouco melhor do que a penitenciária depois do julgamento
Quando o levaram embora, no camburão, Morel ria...


... E nos dizia: "Todos os filhos de Deus terão que morrer, tombar ao chão!"
Se eu sinto arrependimento pela morte de Erica Jong?    
Nenhuma delas, Katharina Blum, Ana Clara, Lorena e Lia!


Necessário, sem remorso, elas me feriram a honra, tive medo de voar, enfim...
... O poder das palavras, o desencadear dos fatos, plantões, manchetes de mortes e sumiços
Me tornei um serial killer e a mídia ainda precisa muito dos meus serviços!





*”O caso Morel” (1973) é um romance de Rubem Fonseca.
*”Medo de voar” (1973) é um romance de Erica Jong.
*Katharina Blum é personagem do romance “A honra perdida de Katharina Blum” (1974) do escritor Heinrich Böll.
*”Bild”, jornal alemão que perseguiu com uma campanha difamatória o escritor Heinrich Böll.
*Ana Clara, Lorena e Lia são personagens do livro “As meninas” (1973) de Lygia Fagundes Telles.

sábado, agosto 24, 2013

RETINAS QUEIMADAS: APERTE EJETAR E DÊ-ME A FITA



RETINAS QUEIMADAS: APERTE EJETAR E DÊ-ME A FITA
(Núbia Poison / Marciano James / Rasec Augusto / Nosfa#)

Imagens: MARCIO MEDEIROS.
Licença: CREATIVE COMMONS.

terça-feira, agosto 20, 2013

Hotel Mário Quintana


     “A todos vocês, que eu amei e que eu amo
                                         Ícones guardados num coração-caverna
                            Como quem num banquete ergue a taça e celebra
                                       Repleto de versos, levanto o meu crânio.”
                                                                   (Vladimir Maiakovski)



No Hotel Mário Quintana
As noites são silenciosas e leves
As madrugadas, negras e frescas
Antemanhã, visita dos passarinhos nas janelas


Não importa a geléia de amora 
Nem a torrada no café matinal
Deixei de beber leite ainda jovem
E nunca gostei de cereal


Deixem-me em paz!
Não preciso de serviço de quarto
Deixem tudo onde está, só assim é que me acho


Diacho! Já lhes falei sobre o tamanho do quarto¹...
... Pode ser minúsculo, só preciso de uma escrivaninha!
Eu caibo dentro de mim mesmo² e saio cedo, só volto à tardinha.



               *¹.².Diálogo entre Mário Quintana e Paulo Roberto Falcão.
                                      *Homenagem ao poeta morador de hotéis.

terça-feira, julho 02, 2013

Piano de blues


“Voulez-vous couchez avec moi ce soir?
Vous ne comprenez pas?
Ah, quelle dommage!”
(Alexandre Dumas Filho: A dama das camélias, 1848)




Um fogo, e ela cai por cima de si própria
Stella, esta canção vai para aquela que eu amo
Ah minha irmã... Ouça o piano de blues tocar
Dedico esta para aquela que eu abandonei...



... Uma estrela para ocupar meu tempo, me redimir

Me deixe olhar para você... Para eu me lembrar de Belle Reve
Mas aquilo foi apenas um sonho...
... Um sonho que Blanche DuBois insistiu em sonhar



Aqui, sou eu no centro das atenções nesse apartamento minúsculo!

Qual a sua ocupação, você vai se aboletar aqui com a gente?
Sou tão nova quanto a neve no alto das montanhas, Stanley
E dou aulas de Língua inglesa e Literatura em Laurel, estou em férias de verão


Lá também há fantasmas que povoam minha mente
Eles gemem, posso ouvi-los arrastando correntes, pesando o meu coração
Agora você está em New Orleans, ouça a polca ecoar
Perdi tudo minha irmã, perdi Belle Reve e não tenho aonde morar


Um piano toca... Longe, melancólico, ecoando pela cidade
Sensibilidade e brutalidade num mundo rude de sombras sinistras
Uma varsoviana distorcida faz emanar a loucura, ruídos da selva reverberam
Nesse bonde chamado desejo não há lugar para o refinamento que me deram.






*Baseado em “Um bonde chamado desejo” (1947), 
Tennessee Williams.

sábado, junho 15, 2013

Reduzido ao silêncio


  "Quando não há riscos na luta,
                                                               Não há glória no triunfo"
                                                       (Pierre Corneille: El Cid, 1637)




Amanhece, perdi-te atrás da máscara, e de novo
A amnésia me ajudou a te esquecer...
Mas, me lembro muito bem dele, tão selvagem e submisso ao homem
Chamava-se “Caninos Brancos¹” e vivia no Wild
Era o predileto de Jack London que, enquanto o acariciava, me dizia:
Olhando-me nos olhos, me dizia; todos os dias, mas eu não o encarava há tempos...
“Não desperdiçarei meus dias tentando prolongá-los”, era o que me dizia todos os dias...
Eu ouvia; por hora, usarei meu tempo... Tomamos um café, depois saio
Vou caminhando pela calçada e minha mente se oxigena

Lembro-me agora... Naquele dia, antes de bater a porta voltou-se para mim
Só então reparei... Vi tua face depois de muito tempo, criei coragem
Te olhei; não mudou nada, continua sendo quem tu era...
...Simplesmente o mesmo! Lembro-me de ouvir o teu cantar fenecendo... O mesmo
Lembro também de “O chamado da floresta²”, e adentro-me nele para viver as suas perguntas
Jamais matarei o melhor amigo de minh’ alma, o alcoolismo passa a não mais fazer sentido, caro Jack
Mesmo que o teu destino se torne imensamente funâmbulo, doloroso
O temor; e seu canto burlesco, desafinado, me tocaram...
... Nos ouvidos; só ele, é capaz de me elevar, só ele

Descubro o significado e perco a descoberta
Outra vez, logo em seguida por todos os dias
Também esqueço as batalhas, as derrotas...
E os triunfos e salvas eu esqueço
Quando o espetáculo termina, estarrecido fico!
Encerram-se o fascínio, as maravilhas pirotécnicas não me aturdem mais
E durante nosso jogo, nosso embate... Você mudou as regras...
Na sua vez, mudou as regras e movimentou a peça; fui derrotado...
Eliminado por quem me havia recebido com uma flâmula da vitória

De honras e glórias, marcas de conquistas que nunca vi...
... Povos que, quando cheguei não estavam mais aqui
Desde então, adentrei-me ao profundo “Eu” e descobri que, num denso silêncio fui concebido
Nunca me houve suavidade nessa vida; a onicofagia me acometeu desde cedo, preterido...
... Nesse inconstante mundo rumoroso, vago afoito, feito um cão
Onicófago que só olha para as próprias unhas e late...
Ladro e o latido ecoa na escuridão... Estou olhando para elas, minhas unhas
Elas estão gastas, estão aparadas e sujas; são minhas garras e são tão minhas...
Assim como... As de Prometheu³ que, também sujas e curtas, só dele são!



¹Caninos Brancos (1906) e ²O chamado da floresta (1903) são livros que narram as aventuras de cães e lobos no Wild Ártico.
Foram escritos por Jack London (1876 – 1916) um escritor prolífico e vibrante, mas que sucumbiu diante do alcoolismo deixando-nos um legado de grandes aventuras e ficções arrebatadoras.
³Prometheu: Do grego, Prometeu. Na mitologia, tentou ajudar os humanos, dando-lhes o fogo.