quarta-feira, agosto 24, 2011

O castigo do escritor

Fui acometido por um enorme e trágico
Enorme e trágico castigo
E agora, preciso escolher...


... Entre nunca mais narrar e escrever
Ou ter os olhos arrancados
E para sempre outro livro jamais poder ler


Percebo então, que a sina do escritor
Não é somente narrar e escrever
Isso, por sorte é fugir do inevitável, tentar escapar da morte


A sina do escritor, na verdade
É ler e reler, amar os clássicos e por eles se derreter
Está decidido, tomem-me a pena e não mais voltarei a escrever!


Deixo como testamento...
... Um romance pela metade e algumas poesias inacabadas
Mas, o meu Ulysses, Dom Quixote, os versos de Pessoa e os relatos de Yourcenar
Serão novamente lidos e degustados até que a ”Desdentada”, um dia, venha me buscar.



*A Rosa Montero

sábado, agosto 06, 2011

Fragmento do diário de Che Guevara


"Os donos do poder podem destruir algumas rosas
 Mas jamais conseguirão deter a primavera."
(Che Guevara).


Estou rumo ao norte...
... Da América do Sul
Sob uma chuva gentil
Que distrai a minha sede
Mas os mosquitos
Não estão sendo gentis...
Comigo!
Eles querem o meu sangue
Em troca, me darão a malária
Estou próximo à fronteira...
... Da Venezuela
Em breve, avistarei os ianomâmis
Ou eles me avistarão antes?
Nessa exploração, da Argentina parti
Minha motocicleta não suportou a primeira fronteira
Ainda há quatro leprosos comigo aqui
De alguma maneira, precisamos encontrar...
Encontrar um lugar menos inóspito
Talvez uma gruta com um pouco de conforto
Para podermos dormir um pouco.





*A Ernesto “Che” Guevara
(14/06/1928 – 09/10/1967).

quinta-feira, agosto 04, 2011

Quatro de agosto de mil novecentos e noventa e quatro


“Got to the driver of my car, past the dogs and past the guards
Past all my alarms
Supposed to be so state of the art
You penetrate my radar
Drop a bone in my backyard”
(Morphine)

Fui posto em seu jogo de xadrez
Naquela derradeira partida entre nós três  
Útil, muito útil para todos vocês...
... Que manipulam as peças alinhadas
E, determinam quem vai à frente em disparada

Quem segue adiante, por um instante...
Provocadas, quais se movimentam na diagonal?
Ou, em movimentos paralelos precisos?
Num estado antagônico à criação artística, indecisas
Você está sendo captada pelo radar que monitoro
Agora, ouça-me, lhe imploro!

Você me disse:
Xeque-mate!
Depois disso, confirmou que me tinha há mais de um ano
E, sei que é um blefe, apesar de confirmar que eu era seu
Antes do arremate final
Negou tudo aquilo que me prometeu

No embate, durante tantos rounds, não fui a nocaute
Por instinto, ouvi dos rádio-taxis, que não era eu em quatro de agosto de mil...
... Mil novecentos e noventa e quatro
Pressinto algo sobre as provas que levantou
Não há testemunhas, tenho um álibi que lhe confirma quem...
Quem realmente eu sou.



*Baseado em “Radar”, Morphine.


Fonte: Youtube


quarta-feira, agosto 03, 2011

Sutil brutalidade


"Não quero saber do lirismo que não é libertação"
(Manuel Bandeira)


Semana de arte moderna?
Ah meu amigo, eu só preciso é de minha cabeça...
... Afinal, tu sabes, abomino cartazes!
Quanta libertinagem há no meio literário
Respeite meu humilde cotidiano, meu estilo é simples e delicado
Sou o centro de minha existência e ando muito ocupado
Comigo mesmo, observando, à tarde, aquela estrela que custa a brilhar
Não jogo cartas, não tenho os macetes do bilhar
Sonho pouco e não arrisco no "bicho"
Às vezes, vejo o Castor em seu carro, acenando ao passar...
.... Pela Lapa, na ABL nunca, mas sempre em Santa Tereza
A linguagem coloquial é minha destreza; tornei-me crítico em Artes Plásticas!
Mas logo abandonei essa existência encerrada, os clichês me asfixiam
1940 enfim chegou, arranquei a última folhinha do ano velho, a eleição já vem?
Me pergunto e não respondo!
Nas cinzas das horas aprendi a me relacionar com a vida, tornei-me imortal
Imortal que luta para se aproximar da morte, do pulmão adoeci debaixo de um baixo teto
Custa-me muito respirar, brutalidade da vida, minha existência terrena desviada
Eu queria mesmo era ser arquiteto!





*A Manuel Bandeira 
(19/04/1886 - 13/10/1968).

segunda-feira, agosto 01, 2011

A angústia do poeta


Estou sentindo a concepção...
O sêmen da música e o óvulo da filosofia
Gerados em meu ventre dia-a-dia
E, nada em você traz-me comoção


Nasce a tragédia, vem a música passo a passo
Resisto e não me desfaço, mas sei que
Nunca dei um passo que não me comprometesse
E, eu rio do Homem e de suas artes, poesias e templos


Em breve, parirei algo desconhecido
Desconhecido e enorme
Do tamanho de um mamute
Ironia, não há amor que em mim incute


Mesmo um entusiasmo passageiro
Ou uma profunda desilusão
Estou farto de existir e temo a morte
Num ambiente laico busco a compreensão, a boa sorte


E, antes que a tempestade domine o crepúsculo do mediterrâneo
Avistarei Chipre e resistirei ao meu maior naufrágio
O porto de Larnaca trar-me-á de volta à luz


Mas lá nunca me tornarei um verdadeiro poeta
Volto à Paris para encontrar o meu eterno amor
Que se foi quando a Tifo lhe beijou.




*A Paul Verlaine 
(1844-1896).