“O que o ser humano mais aspira
É tornar-se ser humano”
(Clarice Lispector)
Eu, Clarice, lembro-me
Como se fosse um desvio
O encontro que tive
Com Sartre, em janeiro, no Rio
Disse-me o filósofo:
“O horror sou eu, diante das coisas”
Seu olhar me perturbava, enquanto falava
Desconfortava-me o cachimbo
Sentia-me escrava do anteontem
Um espectro disforme no limbo
Quando virá a alforria?
Depois do crepúsculo, raso e impassível?
Diante da alvorada nova jornada se inicia
Organizando-me entre frases, sendo hermética e acessível
De súbito, meu corpo torna-se uma extensão dos sentidos
Alcanço o espaço e aumento minha capacidade
Sequencia desordenada numa dimensão em superfície
Com sinceridade, falo da vista, sou uma artífice
Ah, a dor...
... Emana
Diariamente após as 17h00, emana
A dor do apontamento
Sou humana, não quero ser manuseada
Antes, como um lápis apontado
Descobriram minha essência delicada
Essência das cores que possuo, meu legado
Era planta baixa desenhada pelas próprias mãos
Reconstruí-me entre linhas retas e paralelas
Traços na superfície horizontal edificada tornaram-se constelação
Mãos corretas, faixas grafitadas cobrem minhas janelas
... Morro em vão?
*A Clarice Lispector e Jean Paul Sartre.