terça-feira, outubro 20, 2009

Alguns solos são mais duros do que o coração do homem





Aviso a Louis Creed:

Existe um lugar que é mais duro que o coração do homem
Onde Gage Creed foi enterrado, acima do cemitério de animais
Caminho afastado por odores, coberto de pedras, cristais e tranças de flores campestres
Sem coroas ou mármore, muitas lembranças e dores naquele lugar rupestre.

Só estacas, epitáfios, último diálogo numa penúltima fala terrena
Pelas lápides do cume se calam na morada horizontal
Intensa sensação de perda, espanto seguido de elucubração plena
Nosso bebê foi atropelado, bem ao nosso lado.

Naquela rodovia, a culpa é minha, fui avisado:
"Acontecer-lhe-ão coisas fatais, doutor"
As pupilas transbordam resignação ou maldade?
Sobre o aviso, duvidei e ignorei, agora é tarde.

Consertarei o meu erro, tê-los-ei novamente presentes
Envolventes nos meus braços passaram a me pertencer
Vocês a mim, eu a vocês, desde então, tentem renascer
Cuidarei melhor de ti, antes que se corrompa nossa pureza
Querida Rachel, o que mais desejo é que retorne da morte!

É meu dilema, meu único padecer
"Às vezes a morte é melhor", disseram-me três vezes
"Tenha lucidez, Louis Creed", o velho avisou-me
"Esconda seu bisturi, senão... quem jaz, o encontrará
Proteja seu tendão, não desça ao porão".

Deturpa-se a alma da imagem antes bela, exaltação
De modo estranho, muda-se o espírito, profanação
O puro inexiste, é o risco do desígnio de minha razão
Brinco com as cartas; enquanto ela cava, aguardo no chão.

Cave e retorne pelo caminho para meus braços, Rachel
Com a única intenção de tirar-me a vida e irmos ao outro lado
Nisso, a fera se consola, liberta a tragédia que se move pelo jardim
Petrifica o coração, deixa-o obscuro, irrompe-se na escuridão.

Aquele caminho de lamentos infantis traz inumana desilusão
Vagaste no “Vale da sombra da morte” onde ninguém está preparado para recebê-la
Cavei num local sagrado, perdi a razão
Onde só há pedras e nenhuma oração.

Aceite, resignadamente, o chegar da morte
Ao enterrado, no terreno gentio, lamente
Abstrações marcadas na lápide, algo gentil, um nome, uma data
Dispense e anule as formas exatas da mente.

Presenteaste seus pares com uma maligna essência
Trágico jardim de beleza mais frágil do que a chama
Chama da vida que não se inflama
Morte precoce num silencio de veludo ocre.

Que propaga a tristeza e inunda rochas e ramos
Tenho-lhe dito: "Nunca enterre pessoas naquele lugar profano"
Não ultrapasse a linha que te mostrei
Abandone a demência, aceitei o que lhe falei.

No cemitério maldito o que nos retorna não é o que se enterra
Violaste a alma pura, secaste a fonte de domínio são
Ouviste um som de um funesto coração
Que não mais bate e nem pulsa compaixão.

Fruto que murcha, chama breve, tentei acendê-la pensando fazer o melhor
O anjo veio de forma grave, não compreendi o sinal
Não deixei os canteiros preencherem o seu quintal
Sabia ser efêmera, sua morada fatal.

No dia que o gato Church voltou, já não era mais o mesmo
Passeava entre os móveis sinistramente, não lambia-nos e rosnava raivoso
Cheirava apodrecimento e só rosnava, preparando-se para o ataque hostil
Grito em explosão era somente desilusão sobre desilusão
Falhei à medida que o sol se erguia, e, noite adentro, sem saída, entrego-me, entrego meu corpo, minha alma e minha razão.



*Baseado em ficção de Stephen King.
*Trailer: Pet Sematery - Direção: Mary Lambert (1989).

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