quarta-feira, agosto 25, 2010

Ao poeta excluído



De que me servem as fixas idéias?
Trechos de desejos... Uma só faca, uma só lâmina?
Não importa o tamanho do quarto...
...Há tempos, moro dentro de mim mesmo
No exílio, cantei ao Jazz, encharquei o meu lenço...
... O mesmo lenço que ganhei naquele aniversário


Que, soprei as velas e desejei
Desejei tanto que nem me lembro a essência do pedido
Hoje, a piedade é um luxo
E, de acordo com meu terno dobro-o e acrescento-o no bolso
Da frente, andando no ar, esperando a alvorada do amor
Odes literárias, aedos, horas de metamorfosear em meu recanto


No entanto, há muita eloquência, muita...
Tanto que não suporto, suspiro e me recolho
O resto, à noite me enrola
No porto pouco alegre, foi só chegar e tive que chamar
Chamar um médico... Há quanto tempo não via um!
Não sou amigo do rei, no entanto sobre o turvo espelho, muito me intoxiquei


De tanto provar mato verde, terra-roxa, água doce, me inebriei
Se forem agudos, tudo bem, se inicia a redundância da partida
Já não me importa o balcão, nem o copo e a garrafa que quebrei
Do fechamento, do aceno ao garção, não deixarei os guardanapos em paz
Pois, quem faz poema, respira...
... Salva um afogado e dá ritmo a vida


Ah, se não fossem as três vezes que perdi!
Imortal, não consegui ser, não me quiseram na Academia
Pode ver como aumentaram minhas olheiras?
Ao final, tenho fumado dois maços por dia
Acendo vários e parei de fazer poesia
Sabia, se perdesse a quarta tentativa uma tragédia renasceria


Ah, minha filha...
... A solidão coletiva ainda que tardia.



*A Mário Quintana
(30/07/1906 - 05/05/1994).
Com carinho e admiração.

sábado, agosto 21, 2010

É chegada a hora de partir



"O homem sempre deve estar preparado para partir."




Havia pétalas secas nas botas
E, lembrando-me do ocorrido
Sorri enternecido umedecendo os olhos
Ainda há caminhos a percorrer...



Na última primavera, cheguei aqui
Faz-se a hora de calçar as mesmas botas
E, pelo ímpeto da busca fortuita
Traçar na cabeça minhas novas rotas.











*A Henry David Thoreau
(12/07/1817 - 06/05/1862). 











terça-feira, agosto 17, 2010

João das ruas do Rio







Quando o mestre sabe magistralmente inserir
Nos textos, regras de um jogo que já começou
E são regras conflitantes
Regras que exprimem desejos inconscientes
E passa as noites esperando pelos dias subsequentes


Na luz extravia-se da verdade e na treva encontra a aparência
Demência, arte e neurose sem reedições
Cativaste os hipócritas da “Belle Époque” carioca
E, se esgotou nas prateleiras
Permanentemente acusando sua glória e vertigem, às olheiras


Ambientes requintados são promíscuos?
Ou é só sua meticulosa e jornalística visão?
Internalizada e gerada nos escritos
Fostes um dândi provocador
Estudante de gestos coloridos e distintos


Elegantemente direcionando o foco para si
Trafegando nas veias urbanas dos bairros grã-finos
E nas calçadas fétidas dos becos mundanos
Insano opositor da família; frequentador de livrarias e cafés
Aplicador da ordem e do afeto superficial nos bordéis


Não faz mal, suas personagens sempre lhe escapam do domínio
Tornam-se maiores, perigosos, inescrupulosos, ardilosos e donos da noite
Só se revelam nas madrugadas, alusão às picadas
Noite e rua, luz do gás, luz da lua
Nos braços de Clotilde, pelo noivo, alfinetadas na carne crua


Cinismo que emana caos, vício, hermetismo e pavor
Anseio dos que abandonam as casas e buscam o acaso frenético
E são eles, os mesmos de sempre
Cada qual com seu final surpreendente
Alcoólatras, esquizofrênicos e sádicos
Vendedores de corpos, neuróticos, suicidas e prostitutas que habitam o covil
Aqui, nessas tuas linhas, não há espaço para a normalidade irritante
Desgastante prazer abundante que a artificialidade urbana lhe conferiu.




*João do Rio, pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, carioca, nascido, em 5 de agosto de 1881 e falecido em 23 de junho de 1921, foi escritor, jornalista e teatrólogo.

Estima-se que cerca de 100 mil pessoas tenham comparecido ao seu funeral.

sexta-feira, agosto 13, 2010

Prazeres além da morte




Teus pais ainda não esfriaram na tumba
E você mais parece uma ave exótica do Paraíso
Vá se trocar, vista-se de negro
Só honrando-os
Prolongará teus dias na Terra




O Castelo Karnstein é-me muito atraente
Vendo-o sinto-me num conto de fadas
E, obviamente, quem o habita é um descendente
Do Conde de Karnstein, jovem e belo
O único remanescente




Não quero falar sobre isso Frieda...
... Cocheiro conserte logo essa roda!
Precisamos sair desse lugar
Há uma cabana na floresta
Toque a carruagem para lá




Devemos esperar, Mrs. Kathy
Os caçadores de javali estão vindo
Saiamos logo daqui, Joachim!
Detesto esse som que os javalis emitem
Ferem meus ouvidos e me perturbam profundamente




Vejam Marie passando por nós, discretamente...
Dizem que possui muitos amantes
Uma mulher imoral e depravante
Aqui, os castigos são infligidos e recebidos
Morte! Vamos queimá-la!
Dar a ela, prazeres além da morte
Prazeres que, por sorte, nunca compreenderemos.


*Baseado em: As Filhas de Drácula (Twins Of Evil): 
Direção: John Hough (1971)

terça-feira, agosto 10, 2010

O furacão está vivo

That's the story of the Hurricane…
(Bob Dylan)


"Transcenda a vida, transcenda o tempo"
O mundo do boxe conheceu um “Furacão”
Que possuía a necessária velocidade e um único dom
Prove sua inocência, essa será a maior incumbência
Daquele que, desferia objetivamente vários diretos na cabeça do oponente
O “New Jersey Boxing Hall of Fame” te aguarda, não desista, vá em frente…


... Transcenda a vida, transcenda o tempo, Rubin
No “Bar Lafayette” teve seu maior embate
E, os juízes unânimes, deram-lhe o nocaute
Nunca foi bom ser um negro em New Jersey nos anos 60
Bello só queria ver o que havia na registradora...
E, de quebra, mandou que ligassem para a polícia


Transcenda a vida, transcenda o tempo, Hurricane
Houve um crime naquele lugar, envolto em mistério e falsidade
Eram dois homens negros e um Dodge branco...
... Não vi a placa, mas a traseira era como uma borboleta
16th Street e dois negros no banco da frente
Monta-se a cena e a maior das injustiças, jovens condenados a prisão perpétua


Transcenda a vida, transcenda o tempo, Carter
Todos os recursos serão negados
Provas adulteradas, pessoas caladas
Poetas, escritores e artistas, todos tentaram em vão
Poderia ter sido Pena de Morte, porque não?
Mas, já não há apelação e, como ratos, Carter e Artis mofarão na prisão


O júri branco afetado no crédito e na avaliação
Com isso, o direito a um julgamento justo está fora de questão
Substancialmente prejudicada está toda a sessão
Perjúrio e difamação, nem Ali e nem Dylan intervir poderão
Os promotores de justiça estarão programados a afirmarem a acusação
Vingança racial e discriminação corroboraram com a retaliação


Eis que, chega 1985 e o juiz federal Sarokin, com a veracidade nas mãos
Dá, enfim, o veredicto e a sua constatação:
Os julgamentos anteriores não haviam sido justos!
Foram baseados somente em racismo e dissimulação, não pela razão
E, após 22 longos anos, tornara-se impossível sustentar a acusação
A lagarta feia torna-se borboleta e finalmente pode bater asas, então...
Cante Dylan, cante para mim...
Sobre o Meio-médio nascido em Paterson e imortalizado nos 8 minutos daquela canção.


*Baseado no filme: Hurricane (1999)
com Denzel Washington.
Direção: Norman Jewison.

*Dedicado a Rubin “Hurricane” Carter
(06/05/1937 - 20/04/2014).

quarta-feira, agosto 04, 2010

O drama do dualismo









"Not there to soothe your soul,
Friend to tender friend..."
(Sebadoh)




Não há remorsos nem cinismos
O Senhor Tempo tratou de apagar
Atos inescrupulosos, falta de caráter nobre
Ética e moral, banais em minha vida, se tornaram
Equipararam-se ao preço de finos fios de cobre


Sou Mr. Hyde lutando por libertação
Anseios e desejos esnobes são minhas armas de tortura
Todavia, a fraqueza moral dá inicio a transformação
Hoje, mais uma vez...
Com o grau de pureza necessária
... Preparei e tomei a poção


E assim, num eterno retorno
Vejo o semelhante degradar-se
Degradar-se por si mesmo
Sem penitenciar-se, austero, vagando a esmo
Paga vinho aos bodegueiros
Faz companhia aos forasteiros e aos decadentes


Ama os envilecidos, suja os transparentes
Cuidado Jekyll, és uno e duplo!
A existência do testamento pode-lhe ser fatal
Trar-lhe-á pressa à posse da herança
Seus amigos se afastaram de ti, Mr. Hyde
Temem a presença do boçal protegido, sob ele, há vasta desconfiança


Às coisas transcendentes tornaram-se letais
Nessa luta constante e interna entre pares desiguais
O bem e o mal interagindo numa auto-retaliação
É enorme a atmosfera de ácida suspeita
Seus estudos científicos o conduziram a essa mística
Trouxeram-lhe a desesperança e a indagação corrosiva


Ansiava apenas obter o prazer pela transformação
Hesitei por anos, não queria por em prática a teoria
Sabia que seria muito arriscado, sabia
A composição da fórmula... O momento da ingestão
Isso poderia comprometer o corpo-cobaia durante os experimentos
Uma segunda forma corpórea transbordando os obscuros elementos


Quando o processo de vaporização cessou
Com a máxima coragem ingeri a poção
Sucederam-se náuseas e ranger de ossos e dentes
E um tormento de morte no espírito, iníquo e perverso
Até então sem precedentes e somente pelo ineditismo do fato
Caminhei pelas ruas estreitas e chegando a taverna, pedi conhaque e um bom prato.




*Baseado na obra: “O médico e o monstro”, 
de Robert Louis Stevenson
(13/11/1850 - 03/12/1894).

terça-feira, agosto 03, 2010

Fenômeno efêmero



Androginia envolta em energia e glamour
Extravagância chocante em forma de revolução adolescente
Tente, busque o foco, experimente a fama e a decadência
Esse é o Glam Rock e seu estilo irreverente

Trazendo, de Bowie, um presente
Ian Hunter vem propenso e provoca efervescência
Em essência, é All the Young Dudes dando-lhe um brilho nos olhos
A notoriedade e o sucesso chegando aos garotos inglórios

Não abandonem o lado selvagem, incremente-o
Mostre-nos a evidência pré-punk em fragmentos e dejetos
No caminho árido que se chega a Memphis não há afeto
Dentro do Cadillac, as baladas do Mott amenizam o trajeto

Seja esperto, deixo-lhe metade dos royalties inconteste
Dividam-se os holofotes, saiamos às compras; tarde demais...
Sua frieza me arrefece, perdi minha alma gêmea
Em 1973, sem me despedir, terminei nosso último poema.





*Dedicado a banda inglesa 
Mott the Hoople.

domingo, agosto 01, 2010

Exerça a fricção e desate os nós, Júnior












Porque a escuridão amplia-lhe as aflições?
Aflora o sobrenatural que há em nós
Faz-nos roer unhas...
Que contradição!
... Não somos onicófagos, ah não!
Por onde trafegamos, tocamos nos muros
Abraçamos a vida, beijamos a morte...
Dançamos uma valsa solitária rodopiando conosco mesmo
Penteio-me, ajeito a gravata, saio em disparada, esqueço os sapatos
Pela televisão desligada, acompanhamos nosso reflexo vagando a esmo



Eis que, um raio caiu e meu televisor se partiu antes do trovão soar
Mil pedaços flutuam no ar, não consigo varrê-los
Varrê-los para longe daqui
Outra contradição!
Como faço para não enlouquecer?
Antes, pergunto ao professor...
... Não espero e nem hesito
Indago-o:
Porque você nasceu no cemitério?
Impropério... Seria um paradoxo?



E, ele me responde:
Júnior, para viver não é necessário ser tão triste...
... E, para morrer não precisamos estar tão contentes
Basta-nos a elevação, Júnior!
A elevação!
Em 1984, toda palavra perdida pode ser a última palavra dita
Contradição, jovem poeta, contradição!
Quando o “grande mentecapto” dorme próximo à margem do abismo, ele nunca apaga a luz
Nem despreza as piadas sem graça de Clown, o palhaço



Você não me trouxe problemas e nunca precisou de ajuda
Mas, também nunca o vi sorrindo manuseando uma barra de aço
Para mover-se adiante basta exercer a fricção
Dentro da biblioteca sabe muito bem o que quer encontrar
Naquela escola todos reclamam de minha dicção
Enquanto a respiração queima e os olhos lacrimejam em ardor
A paixão de GH me fez refletir sobre a existência complexa das baratas
Precisas crescer rápido, não se pode mais perder tanto tempo no refeitório...
Imaginando que essa elevação nunca nos subirá à cabeça
Não se esqueça de aprender a dar nó nas gravatas pretas
Desfazendo a intriga do enredo que renova a coragem
Enquanto eu acendo a luz para também dormir do outro lado da margem.






*Dedicado a banda nova-iorquina “Television” e seu álbum 
“Marquee Moon” (1977)

*Ao poeta e amigo Jhunnyor.