quarta-feira, janeiro 05, 2011

A hora do medicamento



Como me sinto?
Você me pergunta...
Como um ser humano qualquer
E sei me divertir como todo mundo



Depois que arranjei um emprego de diretor de cinema
Não consigo fazer um filme descente
Falta-me roteiro?
Ei, meus cigarros não são biscoitos, devolvam-me todos!



“Pedra que rola não cria limo”
Esse ditado, a enfermeira chefe me disse sorrindo
Não entendi... Você acha que eu moro aqui?
Vou lhe mostrar quem é louco, minha senhora, vou lhe mostrar



Sobre o roteiro... Tenho um:
“Começa com uma paisagem bucólica, uma tomada aérea sobre as montanhas
Um close na cabeça da águia
Ela olha para o firmamento...”



“... Abre suas asas; portentosa envergadura
Algo a impele e ela salta num rasante
Pelo desfiladeiro ela sobrevoa
Deixa acima, um ninho a centena de metros”



Outro close: “Uma mão segura uma grade
Um prisioneiro, entre flores, uma bíblia e mofo na parede
Ele irrompe a cela e percebe
Percebe o sorriso de seu amigo índio, percebe”



Hora do medicamento, Hora do medicamento!
Inicia-se a sinfonia, dá-se o confortante entorpecimento
A fila sempre aumenta nessa hora
Vejo Milos Forman se aproximando discretamente



Sempre chega mais um louco de roupas brancas
Ou não são tão brancas?
Somos todos loucos?
E a risada insana de Jack ecoa...



Ha, ha, ha – A personagem McMurphy acabou de chegar
Vamos conferir seus pertences...
Meias negras, algumas T-shirts, jaqueta de couro
Um relógio, uma touca, uma pulseira de ouro...



Mr. McMurphy só não encontrei sua loucura
Por acaso, esqueceu-se de colocá-la em sua mala?
Mrs. Ratched, a senhora acha que sou louco?
Vou lhe mostrar quem é o louco por aqui!



Onde está Candy?
Sozinho, aumenta-me a sensação de desconforto e isolamento
Preciso de um amigo, um cigarro... Cinco minutos de basebol na TV
A convulsão veio só depois de muitos choques na cabeça...



Engraçado, antes de vir para cá, nunca tive convulsões
Será que mamãe sempre escondeu isso de mim?
Aqui, recebi doses diárias de 15.000 watts
Ou seriam uns 12.000 volts?



Ah, não importa! Ilusões se dissipam na eletricidade
O que realmente importa é que derreteram meu cérebro
Estou quente... Veja como estou quente enfermeira chefe!
Fiquei gentil como um cãozinho, me tornei capaz de aceitar tudo e entender as regras desse lugar



Aprendi a colocar uma garrafa de vinho na boca
E não mais sugá-lo, é ela quem me chupa para dentro
Me curvo e adentro-me, lá ninguém me reconhece
Torno-me essência, a própria substância original



A substância que outrora me deixava grande e eloquente
Agora, trancafiado nesse lugar, todos me chamam de demente
Acordem, vejam todos; o anjo da noite se despede!
O meu bilhete é o meu travesseiro, aperte-o em meu rosto amigo Chefe
Depois, irrompa as grades e parta para o Canadá
Quem sabe um dia, em espírito, nos encontraremos lá?







*Homenagem a Jack Nicholson, ator em: 
“Um estranho no ninho”. 
Direção: Milos Forman (1975)

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