sexta-feira, dezembro 11, 2009

Sobre a Desintegração da Morte






“Não há dor maior do que estar vivo.” 
(Ruben Dário)


Em 1948, Orígenes Lessa criou uma obra literária de cunho futurista e apocalíptico: A Desintegração da Morte.
Nesse livro, o autor propõe que, as bases das sociedades contemporâneas estão construídas sobre os alicerces da morte.

O que seria da vida se a morte não existisse?
Essa foi, durante 35 anos, a maior indagação do professor Klepstein, personagem principal da ficção.
O cientista trabalhara assiduamente na tentativa de desintegração da morte, e agora, contemplava o impossível em seu laboratório.
Naquele momento, seu maior desejo era sair e gritar pelas ruas o seu enorme feito para a humanidade.
Tornara-se um ‘quase deus’.
Os homens veriam nele um novo Messias que distribuiria a vida eterna a todos.

Mas, subitamente seu laboratório fora invadido e atacado por mascarados que o metralharam em vão.
Logo seu sangue coagulara e ele continuava a falar e pedir-lhes que parassem com o ataque.
- Eu acabei com as ações da morte e vocês querem me exterminar?
- Não há nada mais burro do que um sábio! Exclamou resignado o chefe da operação.

As máscaras, então, começaram a cair.
Toda organização social se centraliza no fato de que, um dia deixaremos de existir.
Os casamentos começaram a declinar.
Havia milhares de pedidos de divórcios. O casamento também não subsiste sem a morte.

Há um trecho no livro, que o juiz Bermejo a Punta y Arenas, afirma descrente:
- Eu tinha a certeza que o matrimônio se baseava exclusivamente no amor.
O que mantinha a ‘instituição família’ não eram os filhos, a covardia, o amor ou o conformismo, mas somente o medo de morrer solitário e moribundo, esquecido num quarto qualquer.

O preconceito, as convenções, a educação e os princípios religiosos, sobretudo o temor ao inferno contribuía para as uniões estáveis dos casais que se refugiavam na esperança de um dia morrerem aos cuidados de outrem e ficarem todos bem e resignados diante da fatalidade da vida, sucessivamente, de geração em geração, para todo o sempre.

Outro tema abordado no livro de Lessa é sobre o lucrativo mercado da indústria da morte.
Cemitérios, serviços funerários e principalmente laboratórios fabricantes de remédios e vacinas que não tinham mais o que oferecer a população.

A fome se fazia presente e os alimentos se tornariam, em breve, mais escassos.
A vida se reajustaria a eternidade, mas as drogas seriam consumidas em escalas nunca vistas antes.
Milhares de desempregados começavam a se formar por todo o mundo.
A indústria de armamentos era a única, juntamente com a indústria de bebidas, que aumentava lucros produzindo incessantemente armas de guerra entre as nações ainda hegemônicas.

Na Itália faminta, surgiu do povo, um profeta que prometia a morte às multidões que evitavam, agora, as agruras da terra e seus eternos habitantes. Seu nome era Lucatelli.
O Vaticano se torturava por não haver pensado antes nesse discurso de promessa de morte a todos os que acreditassem na nova doutrina religiosa.
- Não seremos condenados a eternidade!
Esse era o discurso por toda a Europa caótica.
- Marcharemos para a morte! A morte vem!
E puseram-se todos a marcharem rumo ao Vesúvio, sul da Itália, nos arredores de Nápoles.

A notícia correu o mundo e no Japão o monte Fugiyama passou a ser a morada final dos eternos.
Onde quer que houvesse um vulcão ativo, haviam homens e mulheres dirigindo-se a eles.
Nas entranhas da Terra, o sofrimento e a vida continuavam.
Meses depois, monstros queimados e mutilados deformados surgiam aos bandos do centro da Terra.
Nem Dante, acreditaria nesse inferno.

As indústrias de bebidas traziam alento aos seres que ficavam e o emprego nesse setor, logo aumentou.
Prosperava por toda parte do globo e quantidades inimagináveis de álcool eram consumidos por todos.
O dinheiro ia na forma de bons salários e o lucro vinha certo.
Eram as indústrias que melhor pagavam e tinham retorno rápido nos investimentos.

Com isso aumentava-se os distúrbios sociais, a violência e a criminalidade.
Ninguém mais temia o inferno.
O roubo estava generalizado e a policia inerte.
Não havia formas de combate e a prevenção ostensiva não surtia efeito moral.
Campos de trabalho forçado pareceram a solução para inibir extrema anarquia.

Homens e mulheres separados em colônias distintas por gênero povoavam esses locais hostis.
E muito sofrimento físico para quem tentasse fugir ou rebelar-se.
Era caos atrás de caos à medida que o tempo passava.

Os esportes perderam suas regras e o respeito ao adversário não mais existia.
Aboliu-se o Fair-play nos campos e quadras esportivas do mundo todo.
Torneios esportivos tornavam facilmente, batalhas campais.

As religiões se organizavam em busca da morte.
Santos eram derrubados dos altares.
Em seus lugares novas entidades se erguiam.
Tiranos de outrora tomados por mártires da morte, antigos carrascos agora benfeitores da humanidade.
Hitler, Jack ‘o estripador’, Mengele, Goering e Lampião ocupavam altares antes pertencentes a Jorge, Sebastião, Maria e outras divindades extintas.

Os governos não governavam dentro dos preceitos éticos e o dinheiro perdia seu valor de compra rapidamente.
Não havia ambição. Só imoralidade.
A vida era um cárcere.

Cientistas do Leste Europeu trabalhavam dia e noite numa fórmula de reintegração da morte.
Um clarão de esperança reanimou as sociedades.
A morte se aproximava novamente?
Voluntários aos milhares se apresentavam para testes na União Soviética.
Havia rumores de mortes experimentais no Cáucaso.

Foi quando a humanidade se alarmou, pois recomeçara a batalha pelo monopólio da morte.
E surgiram também as divindades abstratas, o culto as formas vagas, A Fome, A Peste e A Guerra tornaram-se a Neo-Trindade.
Para novos deuses, novas preces, novos templos lotados e procissões intermináveis.
Todos a procura do milagre da morte.



*A Desintegração da Morte: 
de Orígenes Lessa, São Paulo: ed. Moderna 1983.

* Orígenes Lessa, nasceu em 1903.
Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1981, onde ocupou a cadeira número 10 até 1986.

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