Desde o infortúnio que o acometera
Acordava todas as manhãs, sempre as dez
Sentindo um enorme desconsolo, aumentava-lhe as olheiras
Por um desconforto estético que jamais esquecera
Tornara-se criatura amorfa, e toda sociedade podia vê-la
Aventuras raras acontecem nesse mundo malfadado
São pouquíssimas, mas acontecem
E quando longe nos passam despercebidas
Admito, é uma estranha narrativa essa de se perder o nariz
Incoerente? Todos os fatos podem ser considerados?
São mínimos e nada acrescentarão além do já sabido
Ao contrário
Como as farsas
Que são atraentes
Por serem tão frequentes
Absurdas e inquietantes
. . .
Olhou para o espelho e percebeu seu nariz
Estava intacto e ele o apalpou
Lançando-lhe água em abundância
De alívio, então, suspirou
O pesadelo acabou e não havia sequer cicatrizes
Por um instante, esquecera todo o tormento que passara
Espremeu uma acne antiga, desde a época do sumiço
Estava lá, intacta...
... Por onde quer que andara
Fizera permanecer aquela afecção cutânea de volta à cara
Muito estranha... Inverossímil e surreal
Também não há como rimá-la
Talvez a mais estranha estória envolvendo moral e ética
Sou incapaz de entendê-la
Fato esse acometido nas longínquas plagas soviéticas
De tão hermética, perdeu-se em densa nuvem
Tente então, leitor, desvendá-la
O nariz do Major Kovaliov
Passeou entre nós, disfarçado
Por algumas semanas, de Conselheiro do Estado
E, como se nada tivesse acontecido
Num súbito gesto ocorrido, foi e voltou
O reencontrou e se reacoplaram despercebidos
Era sete de abril em mais um dia frio e nublado
E, esse fato, se espalhou como lenda pelos arredores de Stalingrado.
*Baseado em: “O Nariz”, conto de
Nicolai Gogol (1809 – 1952).
Nicolai Gogol (1809 – 1952).