Pela manhã era sempre a mesma coisa.
De ressaca, acordava aos cacos.
Vagarosamente ela abria os olhos.
Desdobrando-se lentamente.
Tinha quinze anos, não era bonita.
Dentro da magreza havia incertezas, sempre aflita.
A ressaca a atacava, movia os olhos em meditação.
Então, ela sorriu, como se sorrir fosse o objetivo iminente.
Feito um nó, engolia o café quente, mal tocou no pão.
Não deu bom dia, não falou com o irmão.
Passou indiferente à presença da vizinha com a boca fresca do creme dental.
Ônibus, caminhada, olheiras no reflexo.
Uma hora se passou, nebulosidade e poeira contemplando sua sede.
O vento da manhã violentando a janela, seus lábios frios rangiam dentes.
Pensamentos desconexos povoavam sua mente.
Devaneios agudos num instante presente.
Livros, cadernos, canetas coloridas.
Rua larga, carros, motociclistas e pessoas esquisitas.
No ponto de parada, uma freada fatal.
Estendeu o braço e desceu antes, calculando mal a parada.
O ônibus metálico avançou o traço.
Estacou no seu rosto fumaça e calor.
Um corpo quebrado cambaleou, caiu no asfalto.
Perdeu a vida, pobre menina, perdeu seu tempo, ociosa.
Perdeu as horas, perdeu a vida por uma ressaca nervosa.
de Clarice Lispector.
(10/12/1920 - 09/12/1977).
Clarice e seu existencialismo....
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