quarta-feira, julho 08, 2009

Ressaca nervosa




Pela manhã era sempre a mesma coisa.

De ressaca, acordava aos cacos.

Vagarosamente ela abria os olhos.
Desdobrando-se lentamente.


Tinha quinze anos, não era bonita.
Dentro da magreza havia incertezas, sempre aflita.

A ressaca a atacava, movia os olhos em meditação.
O despertador tocou; sua missão... Era hora ir a escola.



Então, ela sorriu, como se sorrir fosse o objetivo iminente.
Feito um nó, engolia o café quente, mal tocou no pão.

Não deu bom dia, não falou com o irmão.
Passou indiferente à presença da vizinha com a boca fresca do creme dental.


Ônibus, caminhada, olheiras no reflexo.
Uma hora se passou, nebulosidade e poeira contemplando sua sede.

O vento da manhã violentando a janela, seus lábios frios rangiam dentes.
Pensamentos desconexos povoavam sua mente.

Devaneios agudos num instante presente.

Livros, cadernos, canetas coloridas.
Rua larga, carros, motociclistas e pessoas esquisitas.

No ponto de parada, uma freada fatal.

Estendeu o braço e desceu antes, calculando mal a parada.
O ônibus metálico avançou o traço.
Estacou no seu rosto fumaça e calor.
Um corpo quebrado cambaleou, caiu no  asfalto.

Perdeu a vida, pobre menina, perdeu seu tempo, ociosa.
Perdeu as horas, perdeu a vida por uma ressaca nervosa.




*Baseado no conto: "Preciosidade" 
de Clarice Lispector.
(10/12/1920 - 09/12/1977).

Um comentário: