quarta-feira, maio 19, 2010

Só os gafanhotos são sutis






Repito o que disse há pouco:
Estou rouco e não posso abandoná-la agora
Você é a única...
... A única que aponta os meus lápis


E é tão frágil, se parece com um gafanhoto
Não sou um gafanhoto, Jorge
Sou uma cloaca, a cloaca do seu mundo
De você, quero apenas os poemas
Eu sou os meus poemas, Darlene!


E tomaram vinho por duas horas...


Aquela foi, sem dúvida, uma noite dura
Posso ver o sofrimento em teu rosto
Como perdura...
E, agora quem sofre sou eu
Atravesso cambaleante a luz do mesmo poste


Vacilante, penetro o beco escuro, ao norte
Que sorte, todas as noites ele está em meu caminho
Sozinho, percorro-o levando a sacola
Lá, no final, está o cão a quem devo alimentar
Devagar ele vem... Posso ouvir seu rosnar


... O olfato lhe aguça, prenuncia minha chegada
Porque me diz essas coisas, Jorge?
Porque não consigo me suportar!
Preciso de uma cerveja, outra... Vinho me dá sede
... Mas, é a dor que sempre vem antes


Intervalo de dez minutos, e ambos em silêncio


Só havia respiração e o barulho
O barulho dos goles preenchendo o momento
Percebendo a inércia dos ponteiros, Jorge coça os olhos
É uma coçada brusca que gera mais vontade de coçar
Irrita-os em esfregadelas e distrai-se, se anima e acrescenta:


Nunca terei a saudação dos verdadeiros historiadores!
Pensando nisso, não me contive... Olhei
Olhei para o estacionamento, meu carro ainda estava lá
Olhei para cima e me engasguei, me pus a ofegar, tossi um pouquinho
Olhei para o lado e as mulheres que me assistiam deram-me um sorrisinho...


E continuaram a beber e falar, todas simultaneamente.






*Baseado em:
‘Menos delicados que os gafanhotos’
de Charles Bukowski
(16/08/1920 - 09/03/1994).

Nenhum comentário:

Postar um comentário