Naquela manhã, Josevaldo acordou bem cedo.
Estava de plantão na terceira corporação de bombeiros situada na zona oeste.
Há quatorze anos Josevaldo trabalhava nessa corporação e fora condecorado três vezes por atos de bravura e heroísmo.
Certa vez, adentrou-se num prédio de sete andares que jazia em chamas e salvou a vida de uma senhora de setenta e quatro anos que desmaiara nas escadas enquanto fazia uma lenta descida.
Por vezes ajudou a apagar chamas ardentes que consumiam sem dó nem piedade tudo o que encontravam pela frente.
Atuou contra incêndios em supermercados, num pet-shop, numa papelaria e quase sempre diagnosticava a mesma origem dos incêndios: problemas nas fiações antigas que gerava curtos-circuitos fatais.
Josevaldo era admirado pelos colegas da corporação e tinha vários amigos fora dela.
Era lateral-esquerdo do time do bairro onde morava e por vezes atuou como técnico do time juvenil da “casa de recuperação”.
Sua marca: dava branidos estridentes que ativavam a molecada a correr e marcar. No time da corporação do terceiro batalhão de bombeiros atuava no ataque, sempre pelo lado esquerdo e, por sorte, fazia muitos gols, alguns belos, outros engraçados.
Essas atuações davam a Josevaldo um status de estrela do time.
Era badalado pelos colegas antes das partidas e após iam sempre se confraternizar num churrasquinho ali mesmo no campo da corporação.
Josevaldo era abstêmio, mas adorava picanha com coca-cola.
Tinha dois filhos, um menino de treze anos, torcedor do Corinthians; que deixava Josevaldo irritado, pois todos sabiam de sua paixão pelas cores do Palmeiras.
O filho mais novo tinha oito anos e influenciado pelo irmão dava impressão de ser corintiano também.
Josevaldo, à hora do jantar nas noites de quarta, se irritava com o mais jovem dizendo:
- Traição dupla em família é demais para mim. Já sou quarentão. Não me torne um cardiopata por desgosto.
O Palmeiras é nosso time, temos que adora-lo de todo nosso coração!
Os meninos riam e desconversavam pedindo para passar a salada ou coisa parecida.
Josevaldo tentou ensinar o hino do verdão para o caçula, mas naquela manhã de sábado quando flagrou o pivete lavando sua bicicleta e cantando a primeira estrofe do hino do timão da zona leste desistiu e voltou para a estaca zero.
- Um dia vou adotar uma criança palmeirense, pois o meu sangue não gerou torcedores para meu time. E ainda torcem para o time rival. Só sendo pai para agüentar!!!
Aquele domingo dia das mães estava ensolarado e fresco.
O céu azul com poucas nuvens dava um ar de meados de outono no país tropical.
Josevaldo presenteara sua esposa com um celular, da promoção, que comprara e saíra já uniformizado para o labor.
Despedira de seus filhos ao portão e fez o caminho de rotina percorrendo quase todo o trajeto de metrô.
Dia tranquilo, tv sintonizada no campeonato italiano em dia de rodada dupla e Josevaldo liderando uma tímida torcida para o Milan.
O comandante, só para irritar torcia abertamente para a Juventus que fazia outro jogo no mesmo horário e era exibido por flashes a cada dez minutos.
Mas há cinco minutos do final das partidas e do campeonato italiano, ouviu-se um som de motocicleta.
Freagem brusca, dois homens protegidos pelos capacetes fechados e uma saraivada de balas de metralhadora em direção ao interior da corporação.
Josevaldo que acabara de se levantar para observar o que acontecia lá fora foi alvejado por doze balas potentes.
Morreu na hora. Óbito instatâneo. Sem defesa.
Outros dois companheiros atingidos não tiveram o mesmo triste final e foram levados feridos para o hospital mais próximo do corpo de bombeiros da zona oeste de São Paulo.
Naquele dia, domingo dia das mães, Josevaldo não voltou para casa.
Outono/2008.
Os detalhes sempre são o seu forte, em Lou James.
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