sábado, junho 06, 2009

Cemitério de cachorros



Quando o homem atingiu a colina
Viu de cima as pessoas, as meninas
Tetos irregulares, sino a badalar
E lá embaixo, transeuntes a pecar.

Tirou os óculos, piscou os olhos
Olhou ao redor, saco no chão
Dentro dele
Um cadáver, um cão.

Cachorro desconhecido
Começou a cavar
Animal desaparecido
Sob a terra em breve estará?

Mas, se fosse outro?
O verdadeiro cão?
Enterrá-lo-ia na escuridão?
Quis olhá-lo melhor, gerou-lhe perturbação.

Aqui jazem os cães!
Pensou a olhar.
Ao redor várias covas.
Paisagem limiar.

Sua ideia era enterrar.
Necessidade criada, afã de cuidar.
Cuidar de um cão morto.
Pá na mão e um conforto.

Aqui mesmo, pensou.
E, num gesto grotesco, começou...
Pá fincada o chão abriu.
E com delicadeza o cão caiu.

Pousou naquela cova.
Viu terra na mão.
Admirou com certo gosto.
A sua perfeição.

Começou a pensar.
No verdadeiro cão.
E com dificuldade não encontrou a razão.
Deu-te então, o nome Abraão.

No cemitério dos cachorros loucos.
Esse homem trazia a dor.
Passava noites em claro.
E de dia professor.

Em sua cidade triste.
Ninguém o observava.
Mas ele recolhia.
Cada cão que encontrava.

Cães famintos, quase mortos.
Dava cabo, resignava.
Sua missão.
Os seres desintegrava.

Era assim que o queria.
Cobrir os cães com terra fria.
O professor de matemática.
Lecionava geometria.

Naquele dia frio.
Deu um suspiro fundo.
Um sorriso amarelo.
Um regozijo quase imundo.

Passava discreto, sua sina.
Inocente de libertação.
Abatia cães como insetos.
E no colégio outra missão.

Lembro-me de ti quando era pequeno.
Meu cachorro inquieto, sumindo era certo.
Aquele homem cheirava as ruas.
Num gesto repleto de agruras.

Quem é o cão heroico.
Quem sairá dessa punição?
Viver é uma alegria?
Para os cães uma missão.

Eu via a angustia em seus olhos.
Via a angústia de ser cão.
Quem poderia abandonar-te?
Matar-te com um ferrão?


*Baseado no conto:
"O crime do professor de matemática" 

de Clarice Lispector.

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