No último dia
Daquele ano
Em que
A guerra começou...
As irmãs de caridade passaram por aqui e se foram
Assim como vieram, se foram; antes
Nesta “Vila dos Poemas”, fundada por Brecht em 1937
Lembro-me de uma fria manhã de inverno quando nos trouxeram conforto
Abriram os nossos olhos para os pecados do mundo
Sentaram-se ao nosso lado e ouviram nossas confissões
E, se foram...
Eu que, pensava em abandonar tudo
Abandonar minha família, abandonar minha profissão...
Não, eu não tinha amante e nem dívidas, muito menos hábitos mundanos
Não tinha religião, mas, ouvia músicas de minha região interiorana
Não tinha ciúmes, nem preguiça e pude acumular muita lenha para aquele inverno de incertezas
Cuidava de minha esposa e de meus filhos como um verdadeiro homem deve fazer, enquanto o céu era iluminado por rajadas
Ao deitar-me, algo me inquietava e só pensava em largar tudo
E, se foram...
Estava vazio como um túmulo a espera do corpo morto
Minha razão me dizia que pequei contra os que mais me amavam
E um temor no meu coração preenchia toda minh’ alma
A tristeza completava-me com suas incertezas...
Então as irmãs de caridade com suas doces palavras
Tocaram meu coração como o orvalho toca uma folha
Uma delas sentou-se ao meu lado e com um olhar sereno acalmou-me o semblante
E, se foram...
Cantarolando-me poemas de Leonard Cohen
Mostrou-me a verdade, a natureza dos humanos, o valor da vida...
... Perdido na neblina da dúvida fui resgatado, e eu pude sentir a centelha da felicidade se acendendo
Aos poucos, eliminando o medo de morte de minha carne
Sem insistência, mostrou-me a razão para continuar vivendo
Esperançoso, livre de jactâncias e altivez não se fez como uma amante
Doravante, irromperam-se as luzes de minha existência...
E, se foram...
Dissemos-lhes:
Fiquem conosco!
Enquanto a lua adormecia
Mas, as irmãs de caridade
Despediram-se
Dizendo-nos:
Ainda há muito que se cumprir
E, se foram...